NUM DIA DESSES AÍ...

Qualquer dia desses aí, meu nobre carioca, saia da rotina das praias da Zona Sul, da Barra e do Piscinão; erre o rumo dos parques e dos shoppings; mande um abraço para o Redentor e um alô para o Pão de Açúcar e siga para o Centro. Para ser mais específico, vá na direção do Gênesis do Rio de Janeiro, o nosso Big Bang, conheça o Morro da Conceição, da Providência, do Valongo e do Livramento; visite a Saúde, Gamboa e a Pedra do Sal, foi lá que tudo começou, você nasceu ali. Machado de Assis foi mais esperto e nasceu no morro do Livramento quando lá ainda era uma chácara.

Todos os anos milhares de turistas visitam Israel para conhecer o muro das lamentações e Jerusalém, a terra de Cristo. Nós, cariocas, vamos todos os dias ao Centro, fazemos a Via-crúcis nos transportes públicos e não sabemos que a terra prometida, a nossa Canaã, está logo ali na Zona Portuária, a terra de Machado de Assis.

Foi naquela região que surgiram os primeiros ranchos e cordões, embriões das escolas de samba, e os famosos entrudos, até hoje muita gente não sabe o que é, mas que sempre esteve presente nas letras dos sambas enredos que, desde sempre, aprendemos a cantar.

Foi ali que o violão de Donga, o pandeiro de João da Baiana e o cavaquinho de Heitor dos Prazeres foram visitados pela flauta de Pixinguinha, e o samba e o choro reuniram-se com as rodas de batuques e saraus. Ali é a referência da cultura negra, do candomblé e das baianas, personificada na quituteira Tia Ciata.

“Viajar” por esses locais, além de ser mais em conta, também é um resgate da nossa história, um retorno às raízes da nossa tão desvalorizada cultura. Não é como ir à Londres, por exemplo, apesar de ser interessante, mas qual a relação entre o Tâmisa e o carnaval carioca? Ir à Paris é um sonho para qualquer pessoa que tem o hábito de visitar museus, mas eu duvido que no Louvre esteja exposta a fantasia que usava Dodô (moradora da Saúde), a primeira porta bandeira campeã da Portela.

Se em Liverpool tem a Penny Lane street, Eleanor Rigby e o Cavern Club, aqui nós temos a rua Camerino, Chiquinha Gonzaga (nasceu na rua Senador Pompeu) e os cabarés da Sacadura Cabral; se Nabucodonosor construiu os Jardins Suspensos da Babilônia, aqui nós temos os Jardins Suspensos do Valongo construído por Pereira Passos.

Enfim, cariocas de todos os cantos e bares da cidade, uni-vos! Num dia desses aí façam um carinho diferente na cidade, durmam de conchinha com um tamborim e subam as ladeiras das nossas raízes.

Ricardo Mezavila

Ricardo Mezavila
Enviado por Ricardo Mezavila em 10/02/2014
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