BOA NOITE!
Há um ano, mais ou menos, vou ao mesmo supermercado, aqui perto de casa. Neste mercado, o estacionamento é grátis, mas mesmo assim você recebe o chamado “cartão de estacionamento”, o qual, confesso, não sei para que serve – será que o mercado pagar-me-ia um novo veículo em caso de furto? As pessoas responsáveis por entregar os ditos cartões são senhores de idade. Uns mais velhinhos, outros menos velhinhos, mas sempre velhinhos. Acho bacana a iniciativa. Contudo, preciso relatar algo que me incomoda, há um ano.
Tem um dos velhinhos, carrancudo, de óculos, meio careca, que vira e mexe está entregando ou recolhendo os cartões de estacionamento. Ao longo de todo este ano, todas as vezes que encontrei com ele, eu disse: boa noite! E nunca, nunquinha, fui correspondido. O homem nunca me disse boa noite, nunca disse um “oi”, sequer resmungou qualquer sílaba ou soberbamente emendou um good evening. Nunca!
De início, não dei bola, nem reparei. Mas com o tempo fui me tocando. Era eu dar “boa noite” e... silêncio. Com o tempo comecei a ficar incomodado e a falar cada vez mais alto, vai que o tal era surdo. BOA NOITE! E nada. Certa vez, eu segurei o cartão, quando ele entregou, mas não recolhi. Fiquei ali, com a mão estendida, olhos nos olhos, e disse: boa noite! O velho ficou me fitando, com uma cara de buldogue cansado, olhos murchos por sobre a armação dos óculos pendurados na ponta do nariz e... Absoluto silêncio.
Um belo dia, lá pelo oitavo mês de total indiferença, juntei uma turma, todos com narizes de palhaço, pintura de palhaço, roupa de palhaço, enchemos 200 balões, fizemos cartazes de “Boa Noite!”, “Sorria!”, “Seja Feliz!” e essas coisas de livro de autoajuda, compramos confete e serpentina e partimos para o mercado. Se não conseguisse arrumar um ‘boa noite’, pelo menos um riso eu arrancava do coroca. Ledo engano. Uma estátua.
A raiva só aumentava, a ponto de, semanas depois, eu descer do carro, parar em frente a ele e começar a tomar satisfação. “E aí, qual a tua, não vai me dar boa noite? Tá pensando o que e...” a fila de carros só aumentava. O velho ficou me olhando, com a mesma cara, quase babando, tamanho o desprezo, e não disse um ‘A’. Algumas pessoas tentaram me acalmar, “ele é assim mesmo, não esquenta” e me tiraram dali. Fiz minhas compras naquele dia e decidi: nunca mais ia dar boa noite àquele filho dum que ronca e fuça. Sim, eu sei que mamãe me ensinou a ser educado, que minha avó acharia feio o seu neto não cumprimentar as pessoas, mas eu havia esgotado todas as alternativas.
Na hora de ir embora do mercado, naquela mesma noite, coloquei as compras no porta-malas, peguei o cartão de estacionamento e rumei para a saída. Lá estava ele, calado como sempre. Por um segundo, pensei em passar com o carro por cima do homem. Seria justo após tanto sofrimento, mas me segurei. No fim das contas, só queria sair dali e esquecer aquelas bochechas mudas de buldogue velho. Parei bem ao lado dele, entreguei o cartão e, quando já ia acelerar, o homem disse: “Já vai? Boa noite!”
Sabia que eu devia ter passado por cima dele...
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