Menor preso a poste no Rio (Comentário)
Durante a semana a imagem do adolescente de 15 anos que foi preso com uma tranca de bicicleta, pelo pescoço, a um poste no Aterro do Flamengo, na Zona Sul do Rio de Janeiro, provocou inúmeras discussões, com opiniões múltiplas, suscitando ódio e compaixão; deixando escapar o paradoxo que vive no âmago de nossa personalidade. Arrisco-me a dizer mais: somos a própria contradição. E o que se pode esperar dessa constatação?
Folheando o Evangelho de Lucas, no capítulo 11, 11-13, encontra-se a transcrição perfeita do homem como pêndulo: ora pendendo para o bem; ora para o extremo do mal. Lá, pode-se ler: “E qual o pai, se o filho lhe pedir pão, lhe dará uma pedra? Ou, também, se lhe pedir peixe, lhe dará uma serpente? [...] Pois se vós, sendo maus, sabeis dar boas dádivas aos vossos filhos, quanto mais dará o Pai celestial?”
Choramos com filmes. Rimos com a imagem de uma criança brincando na chuva. Fechamos os olhos, embalados por uma linda canção e indignamo-nos com toda forma de injustiça. No entanto, somos, também, aquele que sente as pupilas dilatarem de fúria. Que tem o ímpeto de vociferar quando algo não corresponde a nossa vontade. Ou mesmo, de sermos ofuscados pela torpe cólera. Enfim, como dizem os mais velhos: “ninguém é tão bom quanto parece”.
Não se pode negar que sob o efeito de uma revolta, dor, consternação e agonia extrema, passe por nossas cabeças os mais incoerentes instintos. Por isso, é, no mínimo, compreensível o brado de justiça e os desejos funestos, por exemplo, de uma mãe que tem o seu filho arrancado pela violência ‘nossa de cada dia’.
Por outro lado, recuso-me a acreditar que devêssemos, com nossas próprias mãos, engatilhar, mirar e disparar contra o algoz. Se lamentamos a violência, não deverá ser ela a solução dos problemas e dilemas sociais. Já temos comprovações suficientes que a lei do “olho por olho, dente por dente, ferida por ferida, golpe por golpe” (Êxodo 21, 24-25) não faz sentido, nunca fez! Pois, ela não devolve a vida, nem restabelece a paz.
O Jovem negro, despido e acorrentado na sarjeta de sua condenação é a mesma mulher que flagrada em adultério é posta no meio da multidão, para que fosse cumprida a lei de Moisés, aquela que mandava tais serem apedrejadas (João 8:3-5). Seria, desse modo, justo que ‘atirássemos a primeira pedra’, já que o Estado é omisso?
Se dermos ênfase ou vazão ao que há de pior em nós, voltaremos ao tempo em que os combates entre homens eram tão populares quanto absurdos, visto que arrebanhavam milhares de pessoas para as arenas ou as ruas, a fim de verem estes homens, que em geral eram escravos ou criminosos, serem obrigados a se digladiarem até a morte, pelo simples deleite e entretenimento do povo.
Portanto, não resta dúvida de que somos feras indomáveis, como já havia escrito, há muito tempo, Tomás de Aquino: “O homem é um anjo montado num porco”.