Sob viadutos
Embaixo de um viaduto morava um menino, que não conhecia todos os seus irmãos, que conheceu sua mãe sempre prenhe, e não sabia ao certo quem era seu pai.
Um menino ainda imberbe, mas que carregava lâminas de barbear nos bolsos, lâminas que não foram compradas, pois não havia dinheiro para comprar.
Os dutos que cortavam a parte inferior do viaduto cruzavam-se e desenhavam estrelas, galáxia do céu do menino.
Sua bicicleta já havia sido de outro menino, que não morava sob o viaduto e que por causa dela ainda acreditava no Papai Noel; Papai Noel figura distante para o menino que morava sob o viaduto. Quantas bicicletas se pode alcançar com uma lâmina de barbear, independente de Papai Noel?
Não via bem os rostos de quem fechava os vidros do carro, como também não era bem visto por quem passava ali; quantas vezes suas mãos estendidas, tinham que mudar de propósito e chamar a Deus, pois suas mãos estendidas não foram atendidas por quem passava de carro.
As cicatrizes de seus braços não foram causadas por vacinas; seqüelas de lâminas de barbear de outros imberbes... sob os viadutos
Cheirava álcool, gasolina e cola; cheirava a tudo, como cheiravam os perdigueiros em caça. O menino sob o viaduto não era um caçador, ele era um caçado.
Sob quantas goteiras ainda haveria de se chafurdar, a quantas latas ainda teria de tombar para a última refeição do dia?
Quantos viadutos o abrigavam: na Cantareira, na Rocinha e onde a polícia não passava, um nômade sem viaduto fixo
Não se lembrava de seu aniversário e seu nome completo era Zezinho Menor Abandonado