A MALDITA GUERRA

Um dia, eu vi minha mãe muito mais feliz que em outros dias. Não chorava de angustia, mas chorava de felicidade.

Eu ainda não tinha completado meus cinco anos, mas me recordo muito bem daquele momento de imensa alegria reinando lá em casa.

A vida por si só é uma tragicidade, e quando surgem fatos novos não resolvidos, a angustia toma conta tornando a coisa mais complicada ainda.

Minha mãe não era uma filósofa na teoria, mas na prática ela desenvolvia e criava os momentos, que muitas das vezes eram fugazes, mas de desmesurado prazer.

A segunda guerra se desenrolava carnicenta envolvendo praticamente o mundo todo. As forças aliadas mandavam à frente da guerra milhares de soldados. Eram moços, de mil sonhos, e imbuídos de uma vontade enorme em defender seus ideais. A guerra os recebia, e os trucidava sem piedade. Mães, namoradas, irmãs e esposas ficavam chorosas no último adeus quando o navio num apito estridente, e fúnebre começava singrando o mar rumo à morte.

Os lenços brancos acenavam, e um grito imenso de desespero ficava engolido pelo barulho ensurdecedor das ondas.

Só ficava a esperança, e uma angustia enorme.

Meu pai, cabo pela academia militar, poderia a qualquer momento ser convocado. A convocação era sempre através de telegrama.

Minha mãe não se desgrudava do rádio ouvindo as notícias. Chorava a todo o momento sem que nós, seus filhos soubéssemos o porquê.

Meu pai chegava do seu labor e num longo e amoroso abraço pareciam dizer:

- Mais um dia, sem a visita do telegrama!

- O que será de mim e das crianças se você for convocado?

Meu pai muito religioso e muito prático dizia:

- Deus há de por um fim a tudo isto, e eu não precisarei ir a esta maldita guerra.

A guerra lambia cruelmente ceifando milhares de vida. Queria mais vidas. Queria mais sangue. Milhares de sonhos brutalmente desfeitos.

Meu pai lia as notícias, e minha mãe escutava o rádio; E os dois discutiam as possibilidades.

Minha mãe, vivendo no desenrolar da guerra uma tremenda angustia, e não querendo que isso aflorasse para seus filhos, arrumava sempre algum lazer para nós. Ela participava com a gente ativamente das lúdicas brincadeiras, tais como: - Quem conseguia fazer a melhor careta; quem era o melhor desenhista; quem era o melhor jogador de trilha; quem faria com as mãos a melhor sombra projetada da lamparina na parede.

Vivíamos felizes, e ela criava para ela momentos de frouxidão, de esquecimento.

As brincadeiras são uma arte, e como tal são entendidas, nesta concepção da vida, como catarse.

Meu pai chegava do trabalho, sempre apreensivo, mas sempre o abraço carinhoso na minha mãe não faltava. Para nós um beijo e sempre a mesma pergunta:

- E como foi o dia de hoje?

Dia, após dia, a guerra absurda vomitava rancor e engolia vidas inocentes.

O rádio transmitia continuamente notícias lá onde milhares de corpos, muitos em decomposição, forravam o chão. Eram poucas as propagandas, e as músicas, lá de quando em quando, acontecia para amainar um pouco os ouvidos atentos e apreensivos.

Um dia, eu vi minha mãe muito mais feliz que em outros dias. Não chorava de angustia, mas chorava de felicidade.

Ela ouviu o Repórter Esso, na empostada voz de Heron Domingues anunciar o final da guerra. Ela deu um grito de alegria e feito uma criança nos abraçou, nos beijou e dançou em lágrimas com cada um de nós.

Meu pai veio mais cedo para casa, e os dois, no mais longo e gostoso abraço que já vi, choraram tal qual duas crianças.

Mario dos Santos Lima
Enviado por Mario dos Santos Lima em 08/02/2014
Código do texto: T4683514
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2014. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.