UMA BELA E DESASTRADA CARTA DE AMOR
Uma pessoa que escreve – bem ou mal, escreve – guarda uma coerência entre a sua linguagem escrita e falada. É impossível conceber a ideia de que alguém possa ter posturas diferentes em relação aos conhecimentos adquiridos a ponto de se expressar verbalmente de um modo e, ao escrever, de outro.
Pois, muito bem!
O meu amigo Pedro (nome fictício) apaixonou-se perdidamente por uma moça de uma cidade vizinha e, devido à distância, visitava-a apenas de 15 em 15 dias, sempre aos domingos.
Ele era um rapaz simples, de uma linguagem desprovida de recursos linguísticos, de vocábulos refinados, afinal, um jovem comum, que falava como os demais rapazes de sua cidadezinha do interior.
Sempre que ia ao encontro de sua amada, ele ensaiava umas palavras bonitas, na tentativa de impressionar a moça que, por ter um pouquinho mais de instrução do que ele, conversava com desenvoltura, com mais domínio sobre as palavras.
Pedro - cada vez mais apaixonado – resolveu radicalizar. Pensou encontrar um jeito de deixar a namorada impressionada e, sem pestanejar, pediu a ajuda de um amigo a fim de que ele escrevesse uma linda carta de amor que seria remetida pelos Correios para a Dalva (nome fictício) na esperança de que as palavras bonitas surtissem efeito e deixassem o coração da jovem mais embevecido.
O amigo – muito prestativo – não se fez de rogado e prontamente o atendeu.
Escreveu uma carta belíssima! Daquelas de balançar até os corações mais insensíveis.
Muito feliz, o amigo Pedro copiou a carta e a colocou nos Correios e, ansioso, aguardou que chegasse o final de semana para ver a extensão de seu feito.
Enfim era domingo. Dia de visitar a namorada e receber os elogios!
Pedro botou uma boa roupa de linho, passou brilhantina Glostora nos cabelos, fez um topete à James Deam, calçou um sapato mocassim, perfumou-se todo, tomou um ônibus e lá se foi pela estrada, contando os minutos que o separavam da dona de tão apaixonado coração.
Lá chegando, encontrou a Dalva sisuda, pouco receptiva.
Ficou imaginando como uma pessoa que acabara de receber uma carta tão bela, tão cheia de palavras apaixonadas e sinceras, pudesse se mostrar tão indiferente, a ponto de sequer falar sobre o assunto.
A hora avançava. Ele olhava para o relógio e já podia contar os minutos finais daquele encontro que, ao contrário do que ele imaginara, era o mais frio e mais desajeitado que já tivera.
Na hora da despedida, Pedro resolveu arriscar:
― Minha querida, você recebeu a carta que eu lhe enviei?
E Dalva, um pouco constrangida, disse-lhe que sim.
Porém, Pedro queria saber qual a impressão dela e, com insistência, pediu-lhe que tecesse algumas considerações sobre o conteúdo da missiva.
Foi então que a moça lhe pediu licença, foi até a um canto da sala, abriu um velho baú, tirou de lá duas cartas e as apresentou ao Pedro, dizendo-lhe:
― Não resta dúvida que a sua carta é muito bonita. Mas eu queria lhe mostrar esta outra , escrita por um antigo namorado que eu tive:
E a entregou ao Pedro.
De olhos arregalados e morrendo de vergonha, ele percebeu que o que ali estava escrito era exatamente o teor de sua cartinha de amor, sem tirar e nem colocar uma vírgula sequer.
Naquele momento estava terminando mais uma linda história de amor.
Pedro levantou-se, deu um desajeitado “boa noite” e se escafedeu para sempre!
Adeus, adeus estrela Dalva!
Tudo por culpa de uma bonita carta de amor!
***
Maria do Socorro Domingos dos Santos
João Pessoa, 08/02/2014