No fim da linha

     Às vezes, penso que estou chegando no fim da linha... Fosse um cara supersticioso, e estaria evitando sair de casa; até para ir à feira, eu que sou um obstinado freqüentador de supermercados e doido pelas feirinhas de rua. 
     Pena que as de Salvador, na sua versão original, praticamente desapareceram!
     Quando estou em São Paulo - e aqui vai minha homenagem às feirinhas paulistanas - cedo pulo da cama, e saio a procurá-las: os pastéis de carne, de queijo, e de palmito dos japoneses, ou chineses, ou coreanos, pouco importa, são maravilhosos.
     Melhor do que os pastéis de Sampa - perdoem-me os ruidosos feirantes paulistas -,  somente o pastel de carne do Leão do Sul, na Praça do Ferreira, em Fortaleza, que freqüento há mais de quadro décadas. 
     Pastel em Fortaleza é como acarajé em Salvador: é degustado por todas as classes sociais; e a qualquer hora do dia e da noite.
     Mas como dizia, às vezes penso que estou chegando no fim da linha... Pela idade, estou mais pra lá do que pra cá; embora este negócio de idade, a rigor, não prevaleça: as crianças também morrem; e muitas antes de nascerem. 
     Minha desconfiança tem aumentado consideravelmente porque, nos últimos tempos, venho encontrando gente que há anos não via. A alguns, chego a vê-los como se fossem almas do outro mundo. 
     Um desses encontros aconteceu no cemitério, faz pouco mais de um mês.  Em meio à choradeira, uma pessoa de mim se aproximou, bateu-me de leve nas minhas costas, e perguntou: 
           - "Ô, você  está vivo?" 
           Fiquei sem graça, pois, acabara de enterrar um amigo mais ou menos da minha idade...
     Dia desses, caminhava descontraído pelas ruas do centro de Salvador. De súbito, ouvi de alguém: "Graças a Deus, não foi você que apareceu no obituário." E completou, sem conseguir esconder sua surpresa: - "Folgo em vê-lo assim, grisalho, mas ostentando boa forma. "  Sorri, mas fiquei de orelha em pé.
     Outro susto. Semana passada, encontrava-me na fila do meu banco, e pelo rabo do olho, observei que uma coroa, de corpinho ainda apreciável, olhava-me com carinho e estranha insistência.  Deixava transparecer que alguma coisa a preocupava. 
     Vendo-a daquele jeito, ofereci-lhe ajuda, com cautelosa dose de galanteio. 
           Ela suspirou, e perguntou:
           - Você é fulano? 
           - Sim.
           - Graças ao bom Santo Expedito.
           - Por quê?
           - Fazia-o morto já algum tempo...
     Deixei-a sorridente, depois de recordarmos, sussurrando, os bons momentos por nós vividos há mais de meio-século...
     Saí do banco, e entrei na primeira igrejinha que encontrei no caminho de volta para casa. Fiz uma demorada e piedosa oração no altar-mor do centenário templo baiano, agradecendo-lhe, inclusive, pela acolhida em hora de intensa preocupação... 
     Mal havia concluído minha prece, e ouvi uma voz rouca que dizia: - "Vá, filho, vá em paz. Tens ainda muito chão a percorrer."  Mas não disse quantos anos ainda tenho pela frente. Foi melhor?...
     Até chegar em casa, repeti algumas vezes estes versos do Mario Quintana: 
     " Um dia... pronto! me acabo. 
        Pois seja o que tem de ser. 
        MORRER: que me importa?  
        O diabo é deixar de VIVER."

     

    

Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 29/04/2007
Reeditado em 17/10/2019
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