O PRIMO JAIRO
Jairo é primo do pai, bem mais novo que o pai. Jairo é CATARINA. MANEZINHO DA ILHA. Décadas atrás, vestiu a capa de retirante. Veio tentar a sorte em São Paulo. Voltou rapidinho. Fez bem. Foi ser feliz nos braços fortes de Marlete, mulher decidida, de sorriso largo. E fizeram muitos filhos, todos queridos, de quem tenho saudades. Não os vejo há muito tempo.
Durante anos, quase todos os anos, nos hospedamos em sua casa, em Saco dos Limões. Por mais de uma vez, Jairo e Marlete nos tiraram do hotel. Ambos consideravam ofensa inominável a gente não dormir ali, na casa deles, comer ali, na casa deles, não ir com eles, nos finais de semana, pra casa de praia, pescar, comer peixe, famílias reunidas. Aquilo não era uma reunião. Era um rolezinho da alegria.
Marlete cuidava dos filhos. Jairo pegava no batente lá fora. Gente séria. E alegre.
Mas nem tudo é perfeito.
A valentia de Jairo, de cuidar da família, de trabalhar dobrado sempre que preciso, sempre esbarrava numa única e intransponível barreira: o exame de sangue. (Tenho com Jairo mais afinidades do que supunha: também capoto feio nessas ocasiões.)
Marlete grávida do último filho (fizeram outro?), levou Jairo ao laboratório. Ele entrou amuado, saiu desmaiado. As enfermeiras corriam de um lado para outro, de olho no barrigão da Marlete, que esperava o desfecho previsível.
Antes que a enfermeira falasse, Marlete disparou:
-- Já sei, já sei. Ponham Jairo no carro, por favor.
-- Como a senhora vai retirá-lo do carro quando chegar em casa?
-- Esquenta, não. A família já está esperando. Dois dias de cama, ele fica novinho em folha.
Se um dia escreverem a história da família, tenho a impressão de que, no quesito valentia, Jairo e eu não vamos figurar. O que, convenhamos, é uma puta sacanagem.
(www.orlandosilveira1956.blogspot.com.br)