UM DIA FELIZ

UM DIA FELIZ

Continuo minha solitária "viagem" ao Passado, aos tempos de infância, enquanto aluno do Seminário Menor, de Araucária / PR. Os amigos que recentemente "surgiram das cinzas" não têm interesse em rememorar aquela época, até porque a maior parte "estudava para ser padre" à contragosto, obrigados pelas Famílias cristãs daqueles tempos, sonhando com a glória (?!) de ter um padre ou freira com seu sobrenome.

Penso sinceramente que todos deveriam registrar suas memórias, algumas passagens pelo menos, para conhecimento pelos filhos e, adiante, pelos netos. Meu amigo (de escola) Augusto Spisla acha desnecessário saber quem cortava os cabelos ("gadelha", na época) de mais de cem internos, 149 segundo um texto que li. Discordo... se o Seminário fracassou em formar padres, pode ao menos ter incentivado a profissão de barbeiro em 2 ou 3, no tempo da tesoura e da máquina manual, um suplício parecido com o de ir ao dentista. Os mais esnobes podem ter inaugurado um salão de "coiffeur" (lê-se "quafér"), que sequer era unissex, só as mulheres podiam frequentar, com o marido esperando no carro ou no bar da esquina.

Nosso Seminário não tinha o menor atrativo, não havia rodas de conversa após as refeições, nem dominó ou xadrez -- baralho, nem pensar! -- só mesmo a mesa de pingong e o futebol, nos fins de semana. Nunca ouvi falar de uma Biblioteca, talvez os padres tivessem a sua, na ala deles, ao lado da cozinha. A vida dos "guris" era um tédio só e eu, "galalau" com 13 anos, me sentia deslocado entre crianças de 8 ou 9 anos, cuja "vocação sacerdotal" (?!) surgira tão cedo. Nos dias atuais, um colégio qualquer dirigido nessas bases seria um fracasso total. A piscina, imensa, foi inaugurada quase no fim do ano de 1965, mas o verão paranaense de 18 ou 20 graus de calor não animava ninguém a mergulhar do alto trampolim.

Mas, afinal, do que trata essa crônica?! De um dia feliz, de algazarra, de risadas cristalinas, momento certo para se rodar o casaco no ar, gritando a plenos pulmões. A foto me enviada pelo Aloísio Cansian Segundo, filho de um ex-aluno, retrata o dia 22 de abril de 1966... meu derradeiro ano no Seminário Menor. (Para não voltar menti para minha tia sobre a data correta de reinício do ano letivo.) À contra-luz, lá estão sonhos mirins "naufragados" sob a obediência cega a que fomos instruídos a praticar. Os raros "picnics" apagavam as tristezas, afogavam a melancolia, enterravam por instantes a monotonia diária da vida escolástica (epa, de onde tirei isso?!).

Aí está, em mil tons de claro & escuro, a alegria "comme il faut", como ela deve ser, cavaleiros à serviço de "El Cid" Campeador... e lá estou eu, com um discreto sorriso, vestido em roupas menores que o meu tamanho, coisa de pobre. Bem à esquerda, um menino desfralda o "estandarte" do esquadrão da Cavalaria americana e nós todos nos preparamos para "defender o Forte" de granito milenar, felizes como nunca.

Quem são os demais alunos? Talvez eu nunca venha a saber... serão todos da Segunda Série ginasial? Também não é possivel responder! E, meio isolado dos demais, temos um galã, um "Justin Bieber", um astro mirim "condenado" a ser padre, quando ficaria melhor numa fotonovela. Pobres beatas, torturadas Filhas de Maria, tendo na sua Paróquia um semideus loiro, no lugar de um "padreco" qualquer.

"A Vida passa, qual trem, / com variado itinerário, / andando num vai-e-vem / sempre no mesmo cenário"... rabisquei eu numa trova. Este cenário de alegria, que me arrancou discreto sorriso, nunca mais se repetiu em minha vida, DIA FELIZ registrado com maestria por um retratista anônimo. Uma foto em que eu estou sorrindo é documento raro, que guardarei com carinho.

"NATO" AZEVEDO (poeta e compositor)

OBS: o texto só faz sentido acompanhado da foto, que poderá ser vista em meu espaço no FACEBOOK (ver cincinato.palmasazevedo9) ou no meu site de crônicas AQUELAS TARDES TRISTES, no Blogspot.