A viagem dos sonhos de ninguém
No ponto de ônibus a fila vira o quarteirão. Cansados de mais um dia de trabalho, os passageiros, inquietos, reclamam da demora da “carroça”. Finalmente ela chega e o tumulto é generalizado. Todos querem garantir um assento, afinal, a viagem é longa. O povo se acotovela e, não tem jeito, é muita gente. Em poucos minutos a lotação está cheia! Destino final? Ibirité, uma cidadezinha que faz parte da grande BH.
Não bastasse o ônibus já estar cheio, há muita gente o aguardando no meio do seu trajeto. Alguém dá sinal. Entra uma jovem senhora com uma criança de colo. Felizmente ainda existe cavalheirismo. Um rapaz logo cede o seu lugar. Como é praxe a falta de atenção de alguns motoristas, com o nosso não seria diferente. Uma velhinha dá sinal e ele simplesmente finge não vê-la. Quando ele resolve parar, afunda o pé no freio e as pessoas se amontoam umas sobre as outras. Reclamar não adianta, retruca uma senhora nervosa que completa: _ Eles não estão nem aí pra gente.
Depois de uma hora naquele “forno”, a gente já se aproxima do ponto final. Alguém puxa a campainha para descer. Ah! É aquela senhora com a criança. Outros passageiros descem antes dela. Com muito cuidado ela pisa no primeiro degrau, no segundo. Ao pisar no terceiro o motorista sai com o ônibus sem ao menos olhar para trás. O que fazer? Eu estou ali bem perto. Intuitivamente, solto um grito. _ Pare o ônibus. Uma senhora caiu com uma criança! Os passageiros se revoltam e reclamam mais uma vez da incompetência daquele motorista. Não houve nada grave, portanto, seguimos viagem.
Três ou quatro pontos depois chegamos ao bairro Canaan, nosso destino final. Mais uma noite para rolar a cabeça no travesseiro. O sono não chega. Aquela senhora não sai do meu pensamento. Devo reclamar do motorista na empresa? Lembro-me que meses antes, cheguei a redigir duas cartas reclamando de motoristas da mesma linha. No entanto, o comodismo falou mais alto e desisti de encaminhá-las à empresa de ônibus.
Concluo. Nada, é melhor tentar dormir, pois amanhã será mais um dia para continuar assistindo à novela da vida real. O passageiro não passa de uma simples carga para alguns motoristas que, no exercício da sua profissão, se esquecem que um dia também acabam ocupando o lugar dessa carga.