Argentina 8,

Um nó na garganta


Uma das coisas das quais o argentino pode orgulhar-se é da qualidade da comida, especialmente as carnes. A sequência de refeições, sem repetir o mesmo lugar uma única vez, mostrou que a combinação bife chorizo, papas fritas e o Comte de Valmont ou Rincon Famoso é a terceira melhor que já provei. A primeira continua sendo batida de vodca com feijoada da Da. Tereza e a segunda a casquinha de siri da Lúcia...

Falei dos vinhos, tintos naturalmente, que nos meses de inverno se toma até no almoço, mas há um outro detalhe que pode explicar a frequência e quantidade que se bebe de vinho na Argentina: o hábito de tomar água em pequenos goles, entre um pedaço da carne e a próxima trazida da taça à boca. O sentido é duplo: "limpa" o sabor e ajuda
a diluir o álcool, de tal forma que em duas pessoas não é incomum consumir-se uma garrafa ou mais numa refeição, sem nenhum efeito indesejável.

Outra iguaria típica Argentina é a "parrillada". Esse prato é só para argentino fanático: uma espécie de festival de miúdos de boi, incluídos até alguns graúdos, como testículos e outras "cositas". Existem restaurantes especializados em parrilla. Fui a um deles, com o Carmelo e a esposa. Só posso dizer que o melhor da refeição foi a sobremesa, não apenas pelo sabor, mas pelo visual: sorvete com uma cobertura de algo inconsistente semelhante a clara de ovo batida e que devia estar embebido em conhaque ou similar, pois o garçon ateou fogo!!!. Após o "sinistro" até que o sabor do sorvete nao ficou assim tao mau.

Ainda com respeito à comida, acho que vale a pena lembrar o jantar de despedida que o Carmelo, esposa, irmã e cunhado quiseram me proporcionar, na noite anterior à minha volta para o Brasil. Insistiram muito para que eu escolhesse o tipo de comida que mais me agradasse. Após 10 dias comendo carne (excelente), frango, batata, eventualmente graúdos de boi e quase tendo o bigode incinerado para tomar sorvete, havia chegado a minha oportunidade de demonstrar simplicidade e, mais que isso, realmente satisfazer ao mesmo tempo uma vontade e uma curiosidade: como seria o arroz argentino? Sim, arroz, esses grãozinhos que todos nós comemos diariamente e nem nos damos conta de quanto gostamos até sairmos do país. Arroz? .. arroz? .. Os quatro precisaram conferenciar muito até que o Jorge se lembrou de um restaurante que servia um prato especial: "arroz com calamares". Lá fomos nós. A mim, o complemento "com calamares" soou até apetitoso, embora eu ainda não soubesse o que eram os tais calamares. Não me importei muito, pois achei que deviam ser camarones".

Após os primeiros copos de vinho, eis que chega à mesa o meu pedido. Uma grande travessa, suficiente para pelo menos 5 pessoas(e eu havia sido o único na mesa a pedir aquele prato), repleta de arroz com uma coloração avermelhada. Logo pensei: é um risoto de camarão. Ledo engano. Agora já bem a minha frente, com quatro pares de olhos pregados em mim, mais os do garçon, para sentir a minha reação, que todos esperavam ser de grande satisfação por reencontrar um prato tão "típico Brasileiro". Então, pude ver, saindo por entre os grãos de arroz aquelas pequenas coisinhas: perninhas de polvo. Só aí é que eu me lembrei do rótulo daquele vinho verde Português: Calamares e entendi, mas já era tarde.

Posso garantir que uma das últimas coisas que eu esperava comer naquela noite era pernas (ou braços?) de polvo. Aliás, tentei não comer. O meu garfo fazia malabarismos tentando trazer para a boca apenas arroz. Mas o danado do restaurante era honesto. Aquele "risoto" de polvo tinha polvo. E como ....

Afora essas aventuras gastronômicas, impressionou-me o fato de que, apesar da grave crise que o país atravessava naquele momento, todos os restaurantes ficavam todas as noites com poucas mesas vazias. Preço não poderia ser a explicação, a não ser para turistas com dólar no bolso, inclusive Brasileiros, para quem não apenas comida mas tudo na Argentina estava naquele momento aviltantemente barato. A explicação mais plausível era de que ainda havia o ganho da aplicação financeira, possibilitando que mesmo desempregados se iludissem com altas taxas de juros que estavam rendendo suas indenizações ou economias, somado ao fato de que o Argentino gosta mesmo é de viver o momento. Alguma semelhança com o Brasileiro não é coincidência.


Segue...

Leo
Leonilsson
Enviado por Leonilsson em 03/02/2014
Código do texto: T4676342
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