LIBÉLULA EM CURTO

Não era um lago, era apenas uma nascente de água límpida onde o verde das folhas refletia com tamanha grandeza. Ali, as Libélulas com voos rasantes e graciosos, tocavam as águas com suavidade formando ondinhas de ternuras, uma após a outra, que iam até a borda e se espalhavam no ar energizando toda a Natureza. Eram muitas, surgiam como num passe de mágica, suas asinhas transparentes com linhas enigmáticas, eram exibidas em toda a sua plenitude: verde, amarela, azul, vermelha, roxa enfim, um espetáculo ímpar. É muito estranho constatar que para a maioria das pessoas uma cena como essa passa desapercebida. Para ela não! A menininha franzina de olhos muito pretos (diziam parecer duas jabuticabas), todas as manhãs, com seu pequeno baldinho nas mãozinhas minúsculas e com seus pezinhos descalços, percorria a trilha que a levava à nascente, lá chegando, enchia o seu baldinho e o colocava nas pedrinhas brancas espalhadas pelo chão. Curioso, era sempre do lado esquerdo. Sentava então na pedra maior coberta por musgos, era do tamanho suficiente para cruzar as perninhas, apoiar os pezinhos no chão e relaxar. Diante dela o espetáculo, ficava horas a fio observando os movimentos e a beleza indescritível que se descortinava à sua frente como um presente vivo. Inimaginável para os menos providos de sensibilidade e amor à Natureza. Tinham até nomes, as Libélulas: Esperanças (as verdinhas), Joaninhas (as vermelhinhas), Uvinhas (as roxinhas), Mel (as amarelinhas) e por aí vai... De volta, com a água pulando do baldinho a cada passo ligeiro, mergulhava no cotidiano enfadonho cheio de regras e mandos, na sede da fazenda de seus pais onde vivia. À noite, deitava e fechava os olhinhos e de novo as Libélulas faziam revoadas embalando e colorindo seus sonhos de criança. A menina cresceu, aliás, ficou adulta, agora na cidade grande para academiar sua vida. Os registros dos momentos com as Libélulas na nascente, se transformaram em paixão, como muitas que inebriam memórias adormecidas.

Precisava se tornar pessoa bem sucedida para garantir a sobrevivência. A luta por esse caminho fora árdua. Disseram-lhe também que precisava ter filhos, plantar árvores e escrever livros, a receita de vida adulta sempre estivera ali presente para ser seguida. A paixão pelas Libélulas nunca a abandonou. Incrível como as urbanas são diferentes, não na beleza, mas nas atitudes. Libélulas, como os humanos, também têm atitudes. Por vezes ainda é preciso loucamente salvar uma ou outra que se debatem contra as paredes em torno da luz como a buscar o brilho das nascentes. Por vezes, são encontradas impassíveis ou mortas. A urbanidade é devoradora de sonhos, é castradora e matadora de vidas.

A menina mulher se tornou Libélula quando percebeu que a sua capacidade de amar se agigantava no peito n`uma explosão de sentimentos. Bela herança das Libélulas da nascente. Notoriamente, só os não humanos são capazes de amar incondicionalmente, a eles a Mulher Libélula distribui o seu amor infinitamente, aos humanos é preciso cautela para se salvar dos desenganos, da tristeza e da dor consumista de vidas.

A despeito de tudo isso, Libélula brilha e tem uma necessidade infinita de amar, necessita distribuir seu amor para não entrar em curto e se apagar. Não quer se acinzentar no sentimento minúsculo da carência incompreendida.

Precisou trabalhar o desapego e trabalhar o desapego não é trabalhar o desamor, é amar com consciência e com possibilidades do viver saudável, sem ser consumida pelas paranoias da modernidade e da tecnologia que anulam os humanos e os transformam em robôs.

Libélula, marcada pelas vitórias e derrotas, sobrevive. Cumpre a receita de vida direitinho, só lhe falta escrever livros...

Alguém muito especial disse uma vez que a Mulher Libélula é “arcoirizada” ...

Eu acho que é...

Narinha Lee
Enviado por Narinha Lee em 03/02/2014
Reeditado em 05/07/2024
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