Palavras chulas de origem divina
 
          Se não existisse pecado, não haveria palavras lascivas, apenas palavras, e todas elas divinas. Quando crianças ou adolescentes, admoestados por nossas mães, tias e avós, escutávamos o repetido carão: “Não diga essa palavra feia”... E falava então a inocente boca da infância. Se não existisse “pecado do lado de baixo do equador”, tampouco seriam advertidos, nos lugares “familiares”, grosseiros ou embriagados que soltassem a voz com palavras de ”baixo calão”, tão comuns junto à malandragem.Tal linguagem “grosseira” ou refinada se manifesta conforme o local ou a pessoa que fala...
          Essas palavras, já usadas na gíria, também são escritas por éticos e ótimos escritores, quando pretendem retratar com fidelidade ambiência, circunstância e indivíduos desse linguajar. Seria incomum pronunciarem num cabaré termos beatos ou na igreja, sacrílegos. E, como romancear o blasfemador sem suas blasfêmias e retirar da literatura a malícia ou palavras maliciosas? Seria diminuir o sabor da comida, sem a pitada de sal, sem o bom do “pecado”. Contudo, isso não concorreria para que bons escritores deixassem de cultuar a palavra e exercer a missão de cativar adeptos à palavra certa, correta. Melhor não dispensar o uso, no momento e lugar propício, da palavra adequada, própria de quem fala ou daquele que a escreve.
          A palavra origina sua identificação na divindade, sem se distinguirem palavras tidas como puras e virtuosas das consideradas pelo moralismo como impuras, sujas ou “pecaminosas”.  As escrituras nos definem Deus, dizendo ser Ele a Palavra, fonte das palavras símbolos dos conceitos, e também ser Cristo “o verbo que se fez carne”; a Antropologia Cultural nos ensina a linguagem, depois da distribuição de tarefas, como o maior passo da cultura humana. Portanto, haja liberdade e que dê o escriba sua voz ao vento, sem amarras, cabendo aos leitores maturidade sem qualquer censura à leitura. Ainda na década de 70, professores foram exonerados, em escolas particulares, porque recomendaram aos alunos a leitura de José Lins do Rego... E logo ele, nosso internacional escritor pilarense. Essa mórbida concepção da palavra desvia a boa formação do ideal desenvolvimento da personalidade das crianças e dos adolescentes, faixas etárias da escolaridade nas quais, devem os jovens aprender o que é e como se escreve nossa literatura. Nesse sentido, a juventude, quanto mais livre de recalcitrantes tabus e doentios estereótipos, mais sensatamente saberá falar as palavras. É assim que se salva a unidade intelectual do homem com suas palavras, todas elas de origem divina...