Argentina 5
 
MUY AMIGO
 
A soma de novidades era significativa: primeira viagem internacional, pouquíssima experiência em viagens, sozinho por 10 dias em local desconhecido e o peso da responsabilidade. Tudo isso se misturava à minha excitação por conhecer a Argentina, que para mim sempre soou interessantíssima, pelo futebol, pela música, pelas tradições portenhas.
 
Lá fui eu, de passaporte saído do forno(embora não precisasse fiz questão de tirar, inconscientemente antevendo que iria usá-lo muitas vezes no futuro), com uma enorme mala contendo munição para um frio polar que diziam estar fazendo em Buenos Aires naqueles dias, 1000 dólares no bolso que eu ficava apalpando a cada 5 minutos e contava no mínimo a cada vez que ia ao banheiro.
 
Para uma viagem internacional, até que o começo foi bem modesto: um taxi até a rodoviária, daí em ônibus até São Paulo, novo taxi até Congonhas e o avião da falecida Varig sem escalas até Buenos Aires, um trajeto de aproximadamente 3 horas. Sentou-se ao meu lado um típico argentino, estilo "Gardelón" (personagem que o Jô Soares fazia na época e que após ouvir propostas indecorosas, só dizia: muy amigo, muy amigo .. ). Esse Argentino, com brilhantina no cabelo e terno impecável, não parou de falar durante toda a viagem, exatamente igual ao Gardelón. Precisei me segurar para não rir.
 
Eu ficava imaginando em que momento deixaríamos de sobrevoar o Brasil e entraríamos em território Argentino. Calculava que após mais ou menos 2 horas de viagem isso devia acontecer. É uma sensação estranha essa, a de deixar a proteção do seu país. Nessa minha primeira viagem eu me lembro desse sentimento de "desamparo”.
 
Chegada em Ezeiza e já na alfandega acentuei o meu receio por estar em outro país: tinha comprado em Congonhas uma revista Veja,que trazia na capa uma foto de soldados Ingleses no seu feliz retorno à Inglaterra e uma manchete alusiva a derrota Argentina no conflito.
 
O procedimento de rotina de revista de bagagem era feito pelos fiscais da alfandega acompanhados de soldados do exército, pois naqueles dias ainda havia o estado de guerra declarado contra os Ingleses(embora tendo sido fragorosamente derrotados e tenham saído das ilhas sem qualquer vantagem, a postura do governo para consumo interno era o de que a qualquer momento eles iriam escorraçar o invasor Inglês). Não pediram para que eu abrisse a malona (ainda bem, pois acho que seria difícil fechar novamente), mas  solicitaram que eu mostrasse o que estava na minha pasta. Entre documentos, calculadora, etc, lá estava a revista com aquela capa inconveniente.

Como eu podia ter sido tão estúpido de levar para a Argentina aquela agressão e ter que mostrar logo na chegada a um soldado.  Eles viram, folhearam rapidamente e não fizeram nenhum comentário, deixando-me passar aliviado.
 
Se não tivesse eu a lembrança clara de ter comprado aquela revista em Congonhas, poderia imaginar que ela houvera sido colocada disfarçadamente em minha pasta pelo "Gardelón" do avião, a quem então eu poderia me referir como "muy amigo, muy amigo ... "


 
Segue...

Leo
Leonilsson
Enviado por Leonilsson em 31/01/2014
Reeditado em 01/02/2014
Código do texto: T4672948
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