Experiências extremas (no sentido de opostas)
EXPERIÊNCIAS EXTREMAS (NO SENTIDO DE OPOSTAS)
(crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 29.01.14)
A queixa é mais ou menos assim: "Um absurdo, um escândalo a exploração desses convênios de saúde! Cobram uma fortuna dos segurados e pagam uma miséria para os médicos credenciados! Pouco mais de cinquenta reais por consulta quando qualquer idiota sabe que Medicina é dos cursos mais dispendiosos para os alunos, mesmo em universidade pública! Imagine: são seis anos de faculdade, mais dois de residência obrigatória, mais três longos anos, no mínimo, de especialização, mais congressos, conferências e simpósios a fim de manter a indispensável atualização, a necessária sintonia com o 'estado da arte' em sua área, para ganhar cinquenta reaizinhos por consulta! Por baixo, 11 duros anos de banco escolar para, como profissional gabaritado, receber a ninharia de cinquentinha!"
Todo mundo já ficou com pena do seu médico, xingou o governo que não fiscaliza e os convênios que abusam, e sentiu-se, no mais íntimo da sua alma, o maior culpado pelo fato de que, mesmo involuntariamente, estamos causando um grande dano ao profissional da saúde que, no geral, costuma mostrar-se dedicado e atencioso. Isto sem contar que é cada vez mais difícil conseguir marcar hora com um especialista - na hipótese de ele integrar os quadros do teu convênio de saúde -, deixando-te a impressão de que estás procurando consulta e tratamento pelo SUS.
Assim, foi uma surpresa enorme quando a mulher ligou e a secretária do badalado médico, cujos nome e fotos vivem saindo nas colunas sociais dos melhores jornais da região, disse que ela podia escolher o dia, "até mesmo para a tarde de hoje", completou.
- Sempre tem horário disponível?
- Sempre, o Doutor sempre consegue encaixar mais um paciente.
Isto pode ser bom ou ruim, ela pensou, mas precisava do atendimento e escolheu um dia em que o marido também tinha médico marcado, assim os dois poderiam ir juntos no mesmo carro, o que os faria contribuir para a redução dos congestionamentos urbanos.
O médico do marido ficava a três quadras do seu, ela esperaria um pouco até ser atendida no horário marcado para ela, depois seria a vez dele esperá-la. A consulta dele durou pouco mais de 30 minutos:
- Conversamos sobre livros, literatura, filosofia, ideologias, ditaduras latino-americanas, medicina e até sobre a minha saúde - ele contou depois, satisfeito da vida com o atendimento humano recebido. - A 50 reais por consulta, meu médico fatura quatro mil por semana trabalhando oito horas por dia e 18 mil por mês - 27 mil se consultas levarem 20 minutos -, o que não é valor desprezível. Considerando cirurgias e exames complexos, seu ganho é maior.
A mulher estava possessa:
- Vocês lá batendo papo nessa vergonhosa conversa fiada e eu aqui esperando neste calorão, nesta sala imunda e apinhada de gente! O sujeito mal olhou na minha cara, não quis nem espiar os exames que a médica da emergência do convênio me pedira - ela não é especialista, falou, não sabe de quais exames eu preciso -, prescreveu os mesmos exames que ela, mandou-me voltar quando tivesse feito tudo no laboratório que ele indicou e me despachou. Tudo isso em quase 3 - três! - minutos de consulta! Ele atende todo mundo rápido assim, até as consultas particulares.
O marido rapidamente fez as contas: são 20 consultas por hora, 160 por dia, 800 por semana, 3.600 por mês, o que daria a bagatela de 180 mil reais de honorários se atendesse apenas clientes de convênio.
- Realmente, é um escândalo esse negócio dos planos de saúde...
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Amilcar Neves é escritor com oito livros de ficção publicados. A partir de 26 de agosto de 2013 integra o Conselho Estadual de Cultura, na vaga destinada à Academia Catarinense de Letras, onde ocupa a Cadeira nº 32.
(...) aquele 1965 em que éramos jovens, românticos e puros. Incontaminadamente puros. (...) Havia uma visão do coletivo, que hoje se perdeu, como também se extraviou (ou até soa ridícula) aquele ideia de "salvar a pátria", de interessar-se pelos problemas do País e do mundo porque eles habitavam nossa consciência.
Flávio Tavares, "Memórias do Esquecimento"