Uma tarde na praça

Sentei-me hoje no banco de uma praça que eu ainda não conhecia. Cheia de árvores, fresca, muito diferente da praça central da cidade – patrimônio histórico tombado, mas totalmente descaracterizada –, despelada, ardendo em fogo àquela hora.

Era meio-dia. Senti o ambiente agradável, o vento, as sombras das árvores dançando no chão repleto de folhas secas; sentei-me num dos bancos e abri o livro que eu trazia na mochila: "Angústia", de Graciliano Ramos. Comecei a ler. À minha frente, seis homens já bem avançados na idade jogavam cartas; estavam ali, aparentemente felizes, sem nenhuma preocupação com o tempo; não faziam horário de almoço, como o pintor de paredes e o motorista que chegariam minutos depois, nem curtiam seus últimos dias de férias, como eu. Tinham todo o tempo pela frente, só para eles. Que benção!

Chegou então o pintor, um jovem magro, de cabelo ensebado, todo sujo de tinta, que trabalhava numa construção ali perto. Sentou-se no chão, enrolou um cigarro e começou a ler um jornal de notícias populares: assassinatos, estupros, acidentes de carro, futebol, novelas... Lia com interesse, às vezes sussurrando uma ou outra frase com dificuldade; depois parava um pouco, olhava para cima, meio perdido, tragando e soltando fumaça; e recomeçava. A manchete do dia eu consegui ler: “Morto por causa de um celular”. Numa virada de página, li: “Caminhão derruba passarela e mata quatro”. Noutra: “Morto a machadadas após receber herança”.

Carros do governo passavam por ali o tempo todo. Deve ter uma repartição no bairro, ou uma unidade de saúde, ou simplesmente a praça fica na rota deles, do seu leva e traz, a serviço do povo ou não. Um deles parou perto de mim, embaixo de uma árvore. O motorista chegou o banco para trás, deitou o encosto e cochilou. Fazia a sesta. Foi acordado por uma quarentona bonita, cheia de carne, que saiu de uma casa velha ali perto; chegou rindo, chamando o homem, que abriu os olhos e riu também. Ela entrou no carro e eles saíram.

Passou um tempo, o pintor se levantou e voltou ao trabalho. Parecia desanimado.

Concentrei-me de novo na leitura (“A porta escancarada convidava-me a abandonar tudo, a sair sem destino...”), até que ouvi um arrastar de chinelos na calçada atrás de mim e olhei. Era uma senhora idosa, bem velhinha, enfiada num vestido floral desbotado, cheio de remendos. Ela trazia nas mãos uma cestinha de bambu-taquara, coberta com um pano de prato bordado, e uma garrafa térmica azul. Foi até à mesa dos velhos, que a cumprimentaram sorridentes, transbordando de alegria. Da cesta ela tirou seis copos de plástico e serviu-lhes uma bebida que me pareceu ser café com leite. Na cesta havia também pedaços de bolo e biscoitos, que eles aceitaram, agradecendo, e começaram a comer. Em seguida ela se aproximou de mim e me ofereceu um biscoito, que eu recusei. Voltei ao meu livro (“Tornar-me-ia de novo meio cigano, meio selvagem, andaria numa corrida vagabunda pelas fazendas sertanejas, ouviria as cantigas dos cantadores e as conversas das velhas nas fontes...”). Ela devia ser esposa de um deles...

Terminei o livro. Olhei o relógio: três e meia. O carro do governo voltou e estacionou no mesmo lugar. A mulher bonita desceu, bateu a porta com força e voltou para a casa velha, resmungando xingamentos. O motorista gritou: “Vagabunda!”, deu partida no carro e foi embora. Os velhos levantaram os olhos, assustados, uns riram, outros cochicharam, mas logo voltaram ao jogo, como se nada tivesse acontecido. A velha já tinha ido embora. Guardei meu livro na mochila, bebi um pouco de água, comi uma maçã e tomei o rumo de casa.

Tarde agradável...

Flávio Marcus da Silva
Enviado por Flávio Marcus da Silva em 30/01/2014
Código do texto: T4671450
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