A hora de ser atendido
Posto de saúde, aquela coisa toda. Se não chegar até às cinco da manhã não consegue mais ser atendido. Porque apenas os 15 primeiros têm esse privilégio e tudo leva a crer que o primeiro da fila apareceu um pouco depois do Jornal da Globo. Chegou e sentou no banco de espera, que fica do lado de fora do posto. Passou a noite com as estrelas. Tivesse papel e caneta, poderia ter escrito um poema. Levasse um microscópio, poderia ter enxergado a supernova que brilha tão perto da Terra. O que não falta é coisa para se fazer enquanto se espera a hora de ser atendido. Talvez fosse o caso de se organizar um café da manhã coletivo, ali na frente do posto mesmo, reunindo todos os felizardos que acordaram cedo o bastante para merecer uma orientação médica.
Há não sei que sentimento de irmandade entre as pessoas que esperam uma consulta. Em pouco tempo já estão todos trocando experiências médicas, fazendo um inventário das doenças familiares, considerando a eficácia de tratamentos caseiros e comparando a performance de profissionais de saúde. Nada disso me atrai e então me concentro na leitura do livro que peguei para passar o tempo. Vez ou outra, no entanto, sou envolvido na conversa – principalmente quando a mulher sentada à minha direita puxa assunto com a mulher sentada à minha esquerda. No mais, tento me concentrar na história do livro, porque assim esqueço que a nossa obrigação ali é xingar o governo.
Talvez devêssemos creditar à Administração Municipal a possibilidade de acompanhar um belo nascer do sol. Quando o dia amanhece já não há mais espaço no banco, mas nem por isso deixam de chegar pessoas. Elas contam o número de pessoas na fila e descobrem que não serão atendidas. Mas ficam lá, talvez para negociar pessoalmente com o pessoal do posto, assim que abrir. E ele abre, demora mas abre. Oito horas da manhã. Que não é, naturalmente, o mesmo horário de chegada do médico. Entramos, sentamos e, como não tínhamos mais o que fazer, esperamos.