A garrafa muda que sabe escrever – Ressurgiu a paz

Na terra do um real só o Rei tinha essa quantia, e era por isso que era Rei. O resto do povo, em contrapartida, só tinha a roupa na corpo, a força nas mãos e o desejo na alma. Sem mencionar, claro, o título de pobre.

O dinheiro do Rei, também chamado de um real, e que posteriormente seria utilizado para nomear a terra, era uma circunferência um tanto espessa feita de um belo metal que brilhava feito fogo até mesmo durante a noite. E para causar inveja em todos e demonstrar seu poderio supremo, o monarca se aproveitava da ostensividade do seu um real e andava para cima e para baixo com ele sobre a cabeça, mantendo o equilíbrio necessário e uma postura diferenciada da dos outros.

Certa vez, entretanto, durante um passeio matinal, o Rei deixou o símbolo valorado cair de sobre sua altura. Imediatamente dobrou seu corpo e avançou com a mão em direção à moeda. Infelizmente, o príncipe foi mais rápido e alcançou o um real primeiro.

– Devolva para o pai, filho. Temos que continuar a caminhada.

– Jamais, ele é meu.

Então houve uma briga e filho matou pai.

– Agora sou eu, o Rei.

E foi essa frase que desencadeou toda uma matança desenfreada. Escudeiro matou príncipe e tomou para si o um real, tornando-se Rei. Em seguida, escudeiro recebeu um golpe de espada e a moeda saltou para as mãos do soldadinho; outro Rei. Soldadinho, sem tardar, foi morto e o dinheiro de repente estava com a Rainha; a primeira mulher a governar; mas governou pouco e sequer será lembrada.

Logo depois de a Rainha também receber seu fim, a moeda migrou para o copeiro…Até que, depois de centenas e centenas de mortos, tantos que nem posso dizer, aquele um real foi parar nas mãos do meu filho. E o que eu poderia fazer? Tomei-o do pobre garoto e o deixei com a merecida vida. Depois, entrei para o quarto e engoli aquele metalzinho tempestuoso. Infelizmente, nisso cometi um erro. Não o de engolir a moeda, mas sim o de não esconder tal ato.

Eu morri.

E morri porque do lado de fora do quarto, observando minha janela que, por descuido meu, fora deixada aberta, estavam dois homens curiosos e de mentes gananciosas. Viram-me engolir a moeda e logo seus olhos brilharam. Então correram como a luz. E dois segundos depois retalharam-me a barriga com ferramentas quase cegas e me deixaram ali mesmo, no quarto, para terminar de morrer. Felizmente não encontraram a moeda, e eu, assim, salvei a humanidade. E como consegui? Os dois homens foram tão apressados que não deram tempo sequer de a moeda seguir seu destino até o fim. Morri com a bendita ainda na garganta, e ninguém nunca a encontrou. E por não a encontrarem, não houve mais moeda, e por não haver, sumiu a ganância, e sem a ganância, ressurgiu a paz.