Mochileiros camaradas
Se tivesse de responder por que crer em anjos, eu responderia “e por que não crer?”.
A vida é pesada para todo mundo. Independente de que se ande de bicicleta ou de jatinho, carregá-la exige muita força e disposição, então, alguém aqui é louco de dispensar um bom par de asas?
Tenho meus anjos. Falo no plural, pois desconfio que no auxílio dos escritores e artistas, papai do céu deva ter enviado logo dois de uma vez. Aja asas para quem escolhe sobreviver de lirismo neste mundo!
Falo com eles diariamente, mas não sigo a tradição de fazer isto antes de dormir. Anos e anos de dias estafantes me ensinaram que, na maioria das vezes, mergulho no sono assim que a minha cabeça afunda no travesseiro. O que acaba invalidando o ritual noturno. Entre falas desconexas que misturam preces de agradecimento com as cenas tórridas da inapagável interpretação de Ben Affleck no filme que acabo de assistir , opto pelas conversas angelicais na sobriedade do dia.
Para aqueles que recriminam os relacionamentos íntimos com a divindade, garanto que não há nada mais salutar de se manter. Invariavelmente você poderá falar do que quiser, como quiser, pelo tempo que desejar , sem réplicas inconvenientes que lhe fazem perder o fio da meada, a paciência e a razão.
Falar com os anjos é lançar os queixumes na atmosfera esperando que caiam bem longe de você. Claro que não haverá uma resposta efetiva avisando que seu recado foi entendido e os seus problemas acabaram de explodir no fundo do Oceano Pacífico, CÂMBIO. Mas se você sabe que seres desta hierarquia não são dados a trambique , acaba acreditando que suas aflições, certamente, foram comidas pelos tubarões. Por que você acha que eles são tão estressadinhos?
Posso delinear anjos de asas, conforme as figurinhas de chicletes, ou de mochila contendo vários manuais de como ajudar seres problemáticos, nascidos no planeta Terra, que não sabem lidar com os problemas que pensaram que nunca precisariam lidar.
Ou, o que é mais bacana, posso criar um anjo para cada dia da semana, conforme o meu estado de espirito. Se estou deprimida, quero um anjo que deite comigo no escuro do quarto e finja que o sol de quarenta graus, que queima lá fora, está apagado. Se estou extasiante, quero um anjo com quem divida uma, ou mais, garrafa de vinho e converse pela madrugada afora, até que o sol nos expulse da rua.
Embora, quando a ocasião exige, eles sejam teimosos e intransigentes. Cansei de pedir que me livrassem de certos sentimentos e, confesso, até, de pessoas. É que temos uma tendência comodista. Remexeu um pouquinho na constância do nosso sono, acordou a insônia e pôs a ansiedade para fazer serenata para nós,já queremos eliminar o sujeito. E como não dá para deletar imagens de carne e osso no mundo real, a gente grita para o socorro celestial.
Não foi uma, nem duas, as vezes que os meus camaradas mochileiros, fizeram a dança do dedinho (Nã na ni na não!) e, logo após, me apontaram o indicador e a ordem: “Fique quietinha onde está. Não tente sair desta situação ou vai ser pior para você”. E me deixaram lá, algemada ao meu medo de sofrer.
O profissionalismo dos office boys do céu é o que há. Negócios, negócios, amizade à parte.
Estou falando em anjos, mas poderia estar dissertando sobre física quântica e o poder incalculável das energias, o que, talvez, fosse mais aceitável e contagiante. Seres humanos gostam de dados, estatísticas e do glamour das teorias avalizadas pela ciência.
Mas prefiro deste jeito, do meu jeito de crer que no poder do invisível. Da "fantasticidade" que as pessoas possuem de materializarem pensamentos, sejam bons ou ruins.
Nunca vi o diabo, mas já senti sua presença de braços dados com muita gente por aí. Por isto escolhi os anjos para minha companhia, logo dois de uma vez, pois não é fácil sobreviver de lirismo neste mundo.