Era o comecinho da manhã

Apesar das cordinhas, era um ônibus novo aquele que entrou na W3 Sul. Por incrível que pareça, não estava cheio e quem entrasse podia até escolher um lugar à janela. Ainda era o comecinho de manhã e o cobrador não se aguentava de tanto sono. Debruçou-se então sobre o caixa à sua frente e fez os próprios braços de travesseiro. Com a cabeça virada para o lado dos passageiros, adormeceu. Se pudesse, o cobrador não estaria trabalhando àquela hora. Mas ele apenas cumpre ordens, porque precisa do trabalho, afinal é o que lhe dá dinheiro para que possa comer e ter forças para trabalhar.

Não é um sono constante, porque a cada uma ou duas quadras o ônibus para e alguns passageiros sobem. Quem paga com cartão passa pela roleta normalmente e o cobrador, que ainda está dormindo, nem percebe. Aqueles que pagam em dinheiro, no entanto, precisam que ele esteja bem acordado. Quando o encontram apagado sobre o caixa, tentam despertá-lo de alguma maneira. “Cobrador! Ô cobrador!”. Nem sempre ele desperta com esses chamados e então é preciso cutucá-lo. Sobressaltado, ele acorda, recebe o dinheiro, dá o troco, libera a catraca e se põe a dormir novamente.

Enquanto esperava um semáforo abrir, o motorista do ônibus olhou para fora, reconheceu o lugar, foi tomado por lembranças e quis compartilhar com o cobrador. “Ali pra baixo na 311 tinha uma bicicletaria. Ali eu comprei a minha primeira bicicleta e voltei pedalando. Daqui até Santa Maria. Isso faz mais de 30 anos”. Falou isso alto, porque o barulho do motor que a cada dia lhe deixa um pouco mais surdo assim exigia. Só por isso o cobrador escutou, mas não deu muita atenção, porque percebeu que o motorista falava mais para si do que para ele. E logo os dois perceberam que do fundo do ônibus alguém pedia insistentemente que lhe abrissem a porta ali mesmo, porque o semáforo estava demorando muito e ele estava com pressa. O motorista voltou à realidade, abriu a porta e logo o ônibus seguiu viagem.

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 28/01/2014
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