Uma pequena interjeição

Foi eu atravessar a rua e logo reconheci o sujeito que caminhava na minha direção. Eu havia acabado de almoçar em um restaurante pouco recomendável no Setor Comercial Sul e estava voltando ao trabalho, onde deveria gastar a tarde sozinho diante do computador. É bem provável que ele ainda estivesse saindo para almoçar. Por duas ou três vezes nós já havíamos nos encontrado em situação semelhante. Não fazia muito tempo que descobrimos trabalhar no mesmo prédio. Ele não era aquilo que eu chamaria de amigo, mas tivemos alguns momentos em comum há alguns anos e chegamos a conversar um bocado num dia em que ele me ofereceu carona. Na verdade, somos muito diferentes – ao contrário de mim, ele é um líder nato, bastante despojado e brincalhão, usa cabelo comprido e tem temperamento sanguíneo. É o tipo de pessoa que, mesmo sem querer, costuma colocar pessoas introvertidas como eu em situações embaraçosas.

Na primeira vez que nos encontramos, eu o cumprimentei discretamente: um leve sorriso, um balançar de cabeça, uma pequena interjeição. E então teria continuado a caminhar, se ele não me parasse, apertasse a minha mão, me desse alguns tapinhas e perguntasse “Tudo bom, meu querido?”. Agia assim porque era o seu natural, ao passo que eu me sentia pouco à vontade com tanta demonstração de afeto. Saí do encontro lamentando o meu desempenho e, no fundo, invejando a sua segurança.

A cena se repetiu na segunda vez que nos vimos e tive certeza que aconteceria de novo naquele dia, pois já havíamos nos visto e um cumprimento era inevitável. Admito que esses encontros podem ser tão desconfortáveis para mim que se houvesse jeito eu escaparia. Mas àquela altura não havia como, então me preparei para os momentos de efusão. Tive, no entanto, a surpresa de vê-lo hesitar – não sabia se devia parar e me cumprimentar ou continuar caminhando. Por fim optou pela discrição: um leve sorriso, um balançar de cabeça, uma pequena interjeição. E continuou caminhando.