SÃO PAULO – 460 ANOS - Uma questão de amor
Minha mãe nasceu no bairro da Mooca, em 13 de agosto de 1928. É apaixonada por São Paulo e gaba-se de ter presenciado grandes eventos da história da cidade.
Um de seus maiores orgulhos é dizer que participou, em 27 de abril de 1940, da inauguração do Pacaembu, hoje Estádio Municipal Paulo Machado de Carvalho. Pois é: a menina de onze anos estava lá, a representar o Grupo Escolar de Vila Esperança, segurando orgulhosa, durante o desfile das escolas, uma das pontas da bandeira brasileira.
Em setembro de 1942, em plena Segunda Guerra Mundial, mamãe esteve presente nas festividades do 4º Congresso Eucarístico Nacional, que reuniu mais de meio milhão de pessoas no Vale do Anhagabaú.
Durante sua juventude, trabalhou na Rua Dom José de Barros, entre a Avenida São João e a Rua Barão de Itepetininga. Percorria longos trajetos a pé. Por isso, conhece o centro como ninguém e parece ser um mapa ambulante quando qualquer pessoa tem dúvida de como chegar a algum lugar: o itinerário é por ela descrito com precisão de detalhes de subidas e descidas e quebradas.
Em 1954, presenciou várias comemorações do 4º Centenário da cidade de São Paulo, que tiveram início no dia 25 de janeiro, à zero hora. Neste mesmo dia, às 8h30, houve uma cerimônia no Pátio do Colégio, seguida da missa inaugural da Catedral da Sé: os convidados assistiram-na dentro da igreja e a multidão, apinhada, do lado de fora. Minha mãe se lembra, ainda, de ver o Presidente da República, Getúlio Vargas, passeando em carro aberto e acenando para o povo.
Numa verdadeira e longa virada cultural, aconteceram em 9 de julho, coincidindo com o 22º aniversário da Revolução Constitucionalista de 1932, outros eventos que minha mãe, como boa filha da terra da garoa, acompanhou, com meu pai a tiracolo. Com quase um milhão de pessoas acotovelando-se no Vale do Anhangabaú, meu pai, preocupado com o “estado interessante” de mamãe, procurava um espaço menos apertado para os dois. Encontrou uma clareira e para lá foram em passos apressados para não perder o lugar. Só se deram conta da “sorte” que tiveram quando os canhões, a apenas alguns metros, começaram a disparar a tradicional salva de tiros. Até hoje, quando conta o episódio para alguém, mamãe comenta o quanto eu me mexia em sua barriga de oito meses de gravidez. No início da noite, no Viaduto do Chá, sob a iluminação de holofotes do Exército e despejada por aviões da Força Aérea, caiu sobre o povo uma chuva de prata: triângulos de papel laminado com o símbolo da festa - uma voluta ascendente - gravado no centro, em azul, significando o progresso de São Paulo. Mamãe ainda guarda uma dessas relíquias na sua caixa de recordações, que um dia será minha herança.
Como não amar São Paulo? Eu estava lá, bem protegida, para vibrar de alegria e ver, através dos olhos de minha mãe, a cidade, tal qual jovem senhora, enfeitada para os seus 400 anos. Nesta cidade fui gerada. A primeira luz que vi, o primeiro ar que respirei foram da metrópole abençoada, terra de gente forte, que tem como seu mais legítimo adjetivo o de ser trabalhadora e obstinada.
Com quatro anos de idade mudei-me, não para muito longe, mas o suficiente para deixar-me dividida: cresci em outra cidade que adoro e que adotei, mas sinto-me, sinceramente, pessoa de dupla cidadania, pois minha mãe nunca me deixou esquecer que sou uma paulistana da Mooca, legando-me a sua paixão por São Paulo.
Passaram-se vinte e cinco anos daquelas festividades e então era meu o “estado interessante”. Meu primogênito deveria nascer nos últimos dias do primeiro mês do ano; todavia, a lua mudou, precipitando os acontecimentos, e ele nasceu à 1h do dia 25 de janeiro de 1980. Minha mãe, a avó, a apaixonada pela cidade, não cabia em si de contentamento. Pelo neto? Também. Mas o que a deixou triunfante mesmo foi a data. Ainda hoje ela confidencia para alguns: sabe que meu neto faz aniversário junto com São Paulo? E emenda: e minha filha, a mãe dele, nasceu no 4º Centenário. Só não acrescenta, por ser um fato triste, que perdeu sua própria mãe num dia 09 de julho!
Estranhas coincidências fazendo a história de uma cidade mesclar-se à história de uma pessoa, onde a recíproca é totalmente verdadeira. Trata-se de um antigo e incorrigível caso de amor entre minha mãe e a “sua” cidade. Ambas, meu orgulho!