O caso do exame
Rosalva trabalhava em uma empresa e precisou se afastar. O médico do trabalho solicitou uma bateria de exames. Era tanto exame que Rosalva se atrapalhava a cada instante, mas conseguiu se organizar. Havia momentos em que a trabalhadora chegara a pensar que precisaria fazer exame dos cabelos e das unhas, tantas eram as exigências do setor médico. Aqueles exames comuns foram os primeiros. Foi aí que a coisa complicou. A moça queria fazer exame até da alma, menos um, aquele não, não tinha alma para aquela coisa. Instalou-se o drama. Comprou os miseráveis recipientes, observou e cumpriu as recomendações de jejum. Mas... Mas... Mas, mas o quê? Fazer xixi foi moleza. E agora, como resolver aquele travamento? Não conseguia, sentia náuseas, achava aquilo uma monstruosidade, algo desumano, humilhante. Falou com o marido, disse que não conseguiria nunca colocar algo naquele segundo recipiente. Mas querida, algo tão simples, todo mundo faz isto. Que problema há nisto? Vá ao banheiro e deixe lá, que eu completo o frasquinho pra você. Deus me livre, nem morta. Deus me livre de pessoa alguma nesse mundo ver isto, uma cena humilhante assim. Assim vai mal, disse ele, querendo ajudar. Teve uma ideia brilhante, naquela hora tudo era brilhante, menos colocar algum conteúdo naquele miserável potinho. Que ideia é que você tem? Deixe comigo, vou resolver, disse o marido se sentindo um heroi. Tá, mas diga o que é, ela pediu. Querida, já que você não consegue, eu consigo. Ela ficou desconfiada. Será que aquele marido iria dopá-la para obter o material de exame. Ficou mais apavorada ainda. Diga logo o que você vai fazer. Eu vou fazer por você, faço tudo e entrego o potinho pronto. Mas como? Ele disse: o que vai para este potinho é igual no mundo inteiro. Ela ficava enojada, sentia que vomitaria a alma. Eu faço tudo e você leva. Demorou, mas Rosalva entendeu. Ficou pensando que aquilo seria um caso de polícia, pois não entendia ser possível até com algo assim se enganar a boa fé da medicina, dos laboratórios. Entretanto, diante do horror que sentia por aquele exame, ela se esqueceu de todos os pudores e ainda disse ao marido que fizesse tudo muito bem feito e que embrulhasse como para presente. Deixa comigo, ele adiantou. Por você faço coisa bem pior. Tá, estava convencida, qualquer coisa seria válida, menos submeter-se ao que considerava a maior humilhação do ser humano. Pra encurtar essa parte feia da narrativa, pulemos para o resultado dos exames no retorno ao médico. Era uma médica, na verdade, o que Rosalva achou mais leve para a situação. Bom dia, Rosalva, sente-se, vamos ver o resultado dos seus exames. Rosalva ouvia atentamente e desconfiada, envergonhada porque sabia haver enganado à medicina. E a médica olhando os papeis com aquela cara de saber ler aquela porção de números e percentuais. Seguiu traduzindo e sentenciando. Quando chegou naquele exame corrupto, as forças de Rosalva estavam no fim. Teve vontade de contar a verdade, mas enfrentou, pois sabia que, além da vergonha de ser corrupta, teria que fazer o exame de forma correta. Finalmente, a médica traduziu o resultado do miserável potinho. É, Rosalva, você está bem, em geral, mas, nesse caso aqui, está acusando uma verminose (nesse ponto, Rosalva sentiu a morte face a face). Não sabia o que fazer, o que dizer diante daquele veredicto. Rosalva, disse a médica finalizando a sessão de tortura, vou dar a você mais seis meses de licença para o tratamento e repetição do exame. A trabalhadora, mesmo sabendo que receberia por seis meses sem trabalhar, teve a impressão de que tinha um ninho de cascaveis dentro de si. Tudo na vida seria menos vergonhoso do que ser portadora de verminose. Rosalva não sabe como conseguiu chegar em casa, mas sabe que a primeira coisa que fez foi avançar para o marido e derramar sobre ele os pecados de toda a humanidade. Ela gritava para o mundo ouvir: meu Deusssssssssssssssssss, que vergonha, quero morrer, eu me casei com um lombriguento.