TRÊS SUJEITOS
Cheia de contrastes, São Paulo fascina e assusta. Sinto uma mistura de orgulho e repulsa por viver nessa cidade tão madrasta que tão bem me acolheu.
Já tentei fugir, mas sempre acabo voltando para os seus braços. Acabei aceitando que sou dependente de sua feiúra tão bonita; de seus bairros que se alastram como se fossem um organismo vivo; de suas ruas sujas recheadas de gente tão valente e trabalhadora; do céu poluído refletido nas janelas espelhadas de seus arranha-céus e dos sonhos cuspidos pelo olhar de seus viajantes que passam mais tempo em trânsito, indo e vindo de suas casas para o trabalho do que aproveitando o preço que pagam por morar nessa metrópole tão querida.
Por onde quer que eu vá, tento ler o olhar dessas pessoas da minha terra. Sim, São Paulo é a minha terra emprestada, o pedaço de chão que insisto em querer chamar de meu e olho para os tantos desconhecidos com seus rostos e sonhos tão familiares e quase posso ver imagens saindo de seus olhos e rodopiando pelo espaço pequeno que os separam do outro, no ônibus ou no metrô. Quase posso ver os sonhos saltando do olhar do migrante, do estrangeiro, da garota que carrega seus livros de encontro ao colo, do executivo com pressa de se trancar no escritório.
Por onde quer que eu vá, procuro esconder o medo que sinto com a aproximação brusca de um desconhecido; do moleque que me pede uns trocados ou do moto-boy que bate no vidro do carro me avisando da porta que esqueci de fechar.
Às vezes acho que esse medo é exagerado, às vezes acho que amo odiar a minha cidade; às vezes me pego a descrevendo como se fosse Shangri-lá, outras vezes, sem medo, caminho distraído, sentindo-me como se estivesse andando nas ruas de Santa Rita do Passa Quatro e passam dois sujeitos suspeitos ao meu lado, sou preterido, pois eles avançam sobre outro sujeito à minha frente, sujeito carregando sacolas e um celular no ouvido. Tudo acontece muito rápido: a abordagem, a reação, o tiro, o grito, dois sujeitos correndo e um terceiro no chão...
Essa São Paulo de contrastes me fascina, mas infelizmente assusta mais ainda.