Crônica dedicada às formigas.

Outro dia, ao cair do entardecer, estando já em casa após ter cumprido minhas obrigações laborais, resolvi tirar alguns minutos de meu tempo para observar o fascinante mundo de pequenas e agitadas saúvas que construíam próximo à roseira de meu jardim um imenso formigueiro com grande dedicação e esmero. Este serviria de casa para elas.

Não resisti à curiosidade de ficar o mais próximo possível daquele monte de areia escavado e que cada vez mais ganhava volume. Sentei-me ao chão e reparei que estes pequenos animais traziam das profundezas da terra enormes grãos de areia em seu dorso. Questionei-me como aqueles seres tão aparentemente frágeis conseguiam carregar fragmentos tão pesados quando comparados aos seus tamanhos diminutos! Era um entra e sai bastante frenético naquele buraco que supus que estivessem escavando extensas galerias subterrâneas.

De súbito, minha observação foi momentaneamente interrompida quando ouvi o toque estridente de meu aparelho telefônico que estava guardado no interior do bolso direito de minha calça. Levantei-me para atender a ligação. Era do trabalho, informando-me algo que deveria dar diligência no dia seguinte, porém nada de importante. Não percebi que sem querer havia pisado naquele formigueiro. Somente ao encerrar a chamada e ao direcionar meus olhares novamente para ele, vi o desastre que havia causado para aqueles seres. Formiguinhas estavam enfurecidas com a minha desatenção, que lhes custara incontáveis prejuízos. Veio-me então à mente um sentimento de culpa por minha irresponsabilidade que certamente deve ter feito muitas vítimas inocentes.

Nada poderia fazer para reparar as consequências nefastas de meu ato não intencional. O que fiz com aquelas formigas é o que seres humanos fazem com outros seres humanos quando estão em posição de aparente superioridade e grandeza: machucam, oprimem e destroem a dignidade de indefesas criaturas.

Então anoiteceu, o sol já havia dado seu último adeus. Entrei dentro de casa, pois tudo lá fora já estava escuro. Por volta de dez da noite, desliguei a tv já que nada de interessante nela passava. Dormi. Passadas algumas horas, já de manhã, acordei-me para mais um dia de labuta. Tomei banho, aparei a barba, sentei-me à mesa para o café da manhã, li algumas reportagens no jornal impresso, vesti o paletó, peguei minha pasta que estava em cima do sofá e que continha alguns relatórios e por fim a chave do carro que estava na estante. Para minha surpresa, novamente vi aquele formigueiro imponente, nem parecia que havia sofrido do desastre que causara na tarde do dia anterior. Passei a admirar o empenho com a qual lidam com os problemas de suas vidas aparentemente insignificantes.

Caio Ferro
Enviado por Caio Ferro em 24/01/2014
Reeditado em 24/01/2014
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