Dom José Fernando Gomes
Aos cinco anos de idade a menina lia e escrevia e, sendo assim, que mãe não sairia se gabando em todos os lugares por onde andasse? Entre esses lugares, a levou um dia à casa de uma família amiga. Lá estava o arcebispo de Aracaju, Dom Fernando Gomes. Conversavam todos sobre muitos assuntos até que o foco se voltou para aquela menininha de cinco anos sobre quem a mãe dizia das virtudes (ah, palavra enjoativa essa virtude).
As amigas daquela senhora satisfeita com o relato do desempenho da filha com livros e cadernos, tratavam de testemunhar a favor da amiga. E quanto mais adesões a senhora ganhava, mais informações fornecia. Amigas são amigas, pois como poderiam afirmar com tanta veemência algo que ainda não tinham visto?
O arcebispo só olhava. Não se sabia o que ele pensava, mas pensava. Era um homem alto, de largas espáduas, volumoso sem ser gordo. Os cabelos bem cortados e sobre a cabeça o solideu. A batina larga, preta, cheia de botões redondinhos que formavam uma fila que ia do pescoço até a barra da roupa. As mangas longas. Os sapatos bem cuidados, perfeitos. Bonito, muito bonito aquele padre. Sentado em uma cadeira dessas antigas e em madeira de lei, na sala daquela casa cheia de cristais e objetos raros de decoração, o bispo era uma figura imponente.
Conversavam algumas coisas a mais, mas sempre voltavam ao tema da tarde, a menina que lê e escreve. E nada de o bispo se manifestar, perdido naquele olhar entre desconfiado, conveniente e incrédulo. A menina esperando a palavra daquela pessoa tão solene. Enfim, ele falou. Segurou nas mãos da menininha e a olhou dentro dos olhos. Ele não perguntou, apenas afirmou: então você sabe ler assim deste tamanhinho. Vamos ver isto. Imediatamente enfiou a mão no bolso da vasta batina e foi descendo e descendo. A menina pensava tanta coisinha. Que fazia o padre que continuava com a mão descendo pelo bolso que já lhe encobria todo o braço? Ele fazia charme e suspense.
A menina olhando ansiosa. O padre movimentou a mão dentro do bolso, lá no fim, na bainha, junto ao sapato, e começou a retirar o braço daquele bolso fundo. Que suspense e tanto!
Ah, então você sabe ler e escrever? Que bom, vamos ver isto agora mesmo. As amigas da mãe da menininha estavam na torcida. A mãe da menininha já estava com vontade de brigar com o bispo, pois que duvidasse ele de tudo, menos do que ela dizia.
Ele fez ainda mais um tanto de suspense até que, a mão ficou completamente livre, mas fechada. Dentro da mão fechada havia um papel. O bispo disse: Sabe ler, não é? Sim, sei. Pois leia isto aqui. Abriu aquela mão enorme e muito branca. Da concha da mão do bispo saiu, bem dobradinha, uma bula de remédio. Jamais aquela menina deixaria a mãe passar vergonha. Leu a bula. E o bispo ficou calado e encantado.