Carne e aventura

Tomo um banho e já volto, prometi. Tomo um banho e a gente ainda tem a noite inteira. E hoje vai ser ainda melhor, porque ontem a gente ainda estava muito afobado. Que tal se eu ficar no seu quarto até amanhecer? Eu acordo mais cedo e saio antes que o pessoal acorde. Tomo um banho e já volto. E tomei, tão apressadamente como foi possível. Aquele banheiro era estranho, a casa inteira era estranha pra mim. A mulher eu conhecia, mas não toda. Nunca havia visto ninguém da sua família até dois dias atrás. Todos dormiam e era ótimo que continuassem dormindo. Aquela cama do quarto dela range que é um negócio. Teve hora que a gente foi pro chão mesmo. Sei não se não escutaram. Mas falar, ninguém falou nada. Ah, mais uma noite de descobertas à vista.

Penduro minha toalha e vou até o seu quarto. Abro a porta que só estava encostada e entro. Tadinha, ela não conseguiu me esperar e pegou no sono. Com a luz acesa e tudo. E não é cochilo não, está realmente dormindo. A gente teve um dia de passeios hoje. Demos a volta no Parque Barigui, que é longe pra burro. Depois fomos a um barzinho no centro encontrar um pessoal que ela conhecia. Voltamos de ônibus e andamos um bom tanto até a sua casa. Estava cansada e seu corpo protestou – pobre corpo que não sabia dos planos para aquela noite.

Fico olhando ela dormindo. Todo mundo que dorme é inocente e sem culpa. Aquele rosto, aquela pele. A mão encolhida em cima do travesseiro. O resto eu não vejo porque ela está coberta. Tão bonita. Agora é acordá-la e repetir a noite anterior. O mesmo prazer, o mesmo susto, porque tudo ainda é novidade – para nós dois. Então é isso que as pessoas fazem? Então é assim que elas se sentem? Gostei porque você me respeitou, ela havia dito. Agora ela dorme, mas basta um movimento meu para voltarmos a ser carne e aventura. Só que não me mexo. Acho tão preciosa a imagem daquela mulher dormindo que julgo-me satisfeito pela noite.

Apago a luz com cuidado, fecho a porta e vou dormir.