Preencher a alma
O mal atendimento de uma recepcionista não é consequência apenas de um problema na falta de treinamento dada pela Empresa. Não. Não é meramente um problema administrativo. É, antes, um problema psíquico. Melhor dizendo: é, antes um problema familiar. Aquele, ou aquela que mal atende um cliente, como acabou de acontecer comigo, demonstra que não teve atenção quando era pequeno. Ou seja: como oferecer atenção a alguém, se aquela própria pessoa não o teve. Aparentemente é algo simples de resolver: mas não é! o problema é maior.
Vencer esse desafio não é tão fácil. Os treinamentos nas empresas, muitas vezes, não funcionam, justamente quando a cultura é forte no sentido da agressividade. Se no lugar existe uma tendência exagerada para o riso; para a falta de atenção às pessoas; para o jeito agressivo de tratar todo mundo: então, o treinamento está fadado ao fracasso.
Pena, portanto, que a pobreza não seja um problema apenas social e econômico. Aliás, associado ao lado econômico, existe o lado afetivo. É neste aspecto que reside a maior desgraça da pobreza. É onde afeta a pessoa em toda sua plenitude. Transforma uma pessoa, simples, num ser com trejeitos robóticos e agressivos. Transforma a menina, num ser machão. Transforma a menina; aliás, não transforma. Deveria transformar numa mulher. Mas, nem toda menina vira verdadeiramente uma mulher. Nem todas vão conseguir superar o desafio de ser meiga. De ser atraente. De ser sofisticada. Tem gente que acha que isso é um problema econômico. De certa forma, sim. Mas, antes é afetivo. É lá na infância, quando a menina deveria ter ganhado um brinquedo e não ganhou, que ela no futuro vai pagar com sua alma, a pobreza de não ter podido curtir uma vida com mais conforto. A pobreza não vai afetar apenas a digestão do lanche que ela não pôde comer fora. O problema não é só fisiológico. Ele é afetivo e quebrará sua alma de forma que nem a própria mãe e o pai saberão como.
A alma será ralada, como se esfrega uma tampinha de refrigerante no chão. Ali, aleijando a alma, estará o protótipo, negativo, daquilo que não pôde ser curtido. Não houve ali o prazer. Não houve ali, o riso. A gratificação foi desperdiçada. Adiada. Adiada de tal maneira que muitas vezes, em toda à vida não será aproveitada. Ali, será definido a carreira de alguém. Ali, se retirará a ambição. Ali, onde o capitalismo não existiu, o afeto também não se desenvolveu. Ali, onde o socialista, fingidamente democrático, mas, o fundo, inteiramente fechado contra o amor, ali a criança estará perdida. Estará sozinha. Solta. Sem marcas. As marcas do momento lhes serão ensinadas pela realidade, já que pelo imaginário do embalar do papai e da mamãe não houve o canto nos ouvidos da criança.
Sua alma não gravou a voz do papai. Sua alma não tem audição. Sua alma têm um tato grosseiro. Sua alma é deformada. É uma alma sem destreza. É uma alma que vive sempre tentando rascunhar um castelo, mas utiliza borrão, onde a maioria o preenche com detalhes. O borrão é fruto da alma, fracassada pela falta de amor dos pais. Estes, também, afetados pela mesma doença, não souberam lhe repassar o amor. Foram infringidos neste mesmo destino. Foram crivados do amor. Se perderam, porque não tiveram a identificação necessária. Se perderam porque não receberam dos pais a verdadeira lição: o mimo.
O mimo não é coisa de bichinho de pelúcia. Não é artigo de publicidade. O mimo não é somente levar a criança no parque. O mimo é a presença, bem dita, dos pais ao lado dos filhos. É esta proximidade, dada sob a forma de amor, que pode tornar a criança um ser que decolará na vida. Ou pode, esta mesma lição, se não for dada, crivar o sucesso de uma criança.
E aí reside, no futuro, a menina pobre, que hoje não consegue atender bem, pois ela própria foi mal atendida.