Velhice e Lucidez
Velhice e lucidez
Já discursei sobre a velhice em outras ocasiões e, em todas elas, considerei que chegar à velhice é sempre exemplo de força e determinação e uma extraordinária vitória do ser sobre as adversidades da vida.
Sou implicado com a cantilena midiática de transformá-la em algo glamoroso, como a boa, a melhor idade, prefiro encará-la como o estágio vivencial privilegiado de uns tantos, momento em que, compulsoriamente, se abdica da força física e se exercita exaustivamente a força mental, na forma de lembranças, sonhos, devaneios, ora ou outra alucinações, procurando a maneira mais serena de se despedir do cenário carnal.
Já especulei sobre o asilar e suas razões morais e humanitárias, oferecer proteção e tratamento, porém atribui ao asilar, não gesto humanitário e moral, mas tentativa inútil do filho fugir do conflito amor/ódio filial. A ambiguidade das relações familiares, caracterizada pelo puro amor e pelo puro desamor, é a motivação inconsciente que leva filhos trancafiar em quartos e corredores de instituições asilares, os seus idosos queridos!
Há algum tempo, venho asseverando que a mente não envelhece. É claro que não recuso as evidências das disfunções neurológicas que acarretam diminuição da capacidade de memorizar e evocar, mas parece que mesmo as pessoas com processos degenerativos cerebrais acentuados continuam a exercer a capacidade mental que lhes permitem sonhar, devanear, alucinar de maneira tão lúcida, que ameaça e incomoda as pessoas à sua volta.
A observação desta característica dos idosos está me fazendo repensar sobre o que mais os fazem sofrer?
A solidão e o abandono é o que mais se ouve nos relatos, entretanto, a capacidade de pensar, de analisar, de avaliar, de perceber, de julgar as condições da existência de maneira lúcida, próprio dos idosos, estou propenso a considerar, é o que os fazem sofrer mais.
Depois de tanto esforço para driblar as artimanhas da vida, quando compulsoriamente abdicam de suas forças vitais, privados da possibilidade de ir e vir por conta própria, engolindo pílulas e mais pílulas que azedam o paladar, submetendo-se a procedimentos terapêuticos e condições de manejo pessoal constrangedores, ainda se vêem furtados na sua lucidez, desautorizam o seu querer, duvidam dos seus sonhos acordados, desprezam os seus devaneios, medicam suas alucinações lúdicas e o estigmatizam como caduco e variante!
Eis o verdadeiro motivo de sofrimento do idoso: o assalto à liberdade de envelhecer de maneira digna, espontaneamente.
Por isso os idosos, mesmo os não asilados, aqueles bem cuidados, sofrem. Alguns, a lucidez é tanta, que eles, muitas vezes preferem morrer, a viver sem a dignidade que tanto lutaram para construir!
O que é paradoxal, no mínimo curioso, é que os filhos que cuidam dos pais, mas não respeitam a sua liberdade de envelhecer digna e espontaneamente, padecem do mesmo mal que os filhos que asilam e abandonam os pais, o conflito entre o amor/ódio filial!
João dos Santos Leite
Psicólogo CRP 04-2674