Aono-Domon, o túnel da esperança - 5ª parte
Voltemos ao tempo em que o senhor feudal Saburobei Nakagawa foi assassinado por seu vassalo Ichikuro. Logo após esse acontecimento, toda a família de Saburobei, inclusive o seu único filho herdeiro Jitsunossuke, de tres anos de idade, foi expulsa do seu castelo, a mando do governo central, pela desordem e escândalo causados. Jitsunossuke foi acolhido por seus parentes e quando completou 13 anos de idade soube do trágico assassinato do seu pai. Lhe disseram também que a única possibilidade de voltar ao castelo em que nascera seria executar a vingança da morte do pai, frente ao vassalo assassino.
Jitsunossuke iniciou um treinamento rigoroso na arte da esgrima, na academia Yagyu, a melhor da capital. Aos 19 anos de idade, permitiram-lhe que viajasse para procurar o assassino do seu pai, a fim de vingá-lo. Sua família depositava nele a esperança de voltar ao castelo. Ele procurou ansiosamente o seu inimigo por várias províncias do Japão, enfrentando grandes dificuldades e sacrifícios. Durante sete anos peregrinou, baldadamente, por todos os lugares principais do país. Ele precisava constantemente lutar consigo mesmo, pois estava desgostoso e aborrecido, porque, apesar de todos os seus esforços e dificuldades, não havia encontrado nenhuma notícia de Ichikuro, o vassalo assassino. Não o conhecia pessoalmente, pois nunca o vira. Para fortalecer o espírito de vingança, ele precisava sempre se lembrar do que lhe haviam contado da morte violenta do seu pai e da sua grande responsabilidade na reconstrução da sua família tradicional.
Depois de peregrinar por nove primaveras, ele encontrava-se na província de Ôita, na ilha de Kyusho. Lá havia um templo famoso chamado Ussa-Hatiman-Gu. Jitsunossuke fez uma visita respeitosa a esse templo, rezando para que se realizasse a sua promessa. Logo depois dessa visita, ele ouviu um relato interessante de alguns viajantes em uma tenda de descanso. Eles conversavam sobre a realização de uma obra extraordinária e milagrosa por um eminente monge, nas proximidades da aldeia de Hida. Porém, os antecedentes desse monge eram suspeitos, falavam que ele teria sido um assassino e consideravam que a construção do túnel era o resultado da sua confissão secreta para expiar os seus crimes. Quando Jitsunossuke escutou esse relato, interpelou-os ansiosamente: "Eu quero saber o nome, a idade, a altura, a fisionomia e o lugar de nascimento desse monge." Contaram-lhe que o nome dele era Ryokai e a sua idade era de aproximadamente 60 anos. Sua terra natal era a província de Ichigo. Justamente em Ichigo ficava o castelo que outrora fora da família de Jitsunossuke. Ele não teve dúvidas de que esse monge era o seu inimigo fatal. Pediu informações mais detalhadas da localização da aldeia e partiu apressada e loucamente para lá.
Enfim, Jitsunossuke estava à entrada do túnel na montanha, onde os trabalhadores se movimentavam ativamente, carregando pedras e entulho. Conversando com os homens, ele confirmou a presença do monge no local. Em seguida, pediu que avisassem-no que um visitante vindo de um lugar distante estava na entrada do túnel, esperando para falar-lhe. Jitsunossuke imaginava o seu inimigo como um homem forte e vigoroso, porque também lhe disseram que ele em pessoa era quem comandava todos os trabalhadores para a conclusão daquela grande obra. E principalmente porque no passado havia sido um samurai famoso, perito na espada e no estudo da estratégia de combate. Por isso, preparou-se para enfrentar um inimigo robusto e poderoso, tomando a postura e preparando a sua espada. Depois de algum tempo, para a sua estupefação, apareceu o monge, muito magro e envelhecido, com cabelos e barba longos, arrastando o corpo como um clunâmbulo.
Espantado, Jitsunossuke olhou fixamente para aquele homem, que era um "cadáver vivo". Um monge miserável, com trajes rotos, braços e pernas cheios de chagas, cabelos e barba revoltos. E ele lhe falou: "Desculpe-me eu não posso lhe reconhecer, porque a minha visão está muito ruim. Diante da fragilidade do monge, Jitsunossuke sentiu-se decepcionado, desanimado, perdendo de imediato o seu sentimento de ódio e de vingança. Ele precisou excitar a sua coragem para enfrentar a situação, reavivando a imagem do inimigo que havia formado dentro da sua cabeça. Então perguntou-lhe: "O seu nome é Ryokai ?"
"Sim, sou Ryokai e o senhor, quem é ? Perguntou-lhe curioso o velho monge.
"Muito bem, senhor Ryokai, agora eu quero confirmar o seu nome anterior, é Ichikuro ?"
"Sim", respondeu o monge.
"O senhor deve estar lembrado do grave crime que cometeu no tempo da sua juventude. Acredito que seja o assassino fugitivo do seu senhor, Saburobei Nakagawa. Eu sou o filho único de Saburobei e chamo-me Jitsunossuke. Agora não há mais possibilidade do senhor fugir. Entregue-me obedientemente a sua vida e prepare o seu corpo para receber o golpe final do castigo divino."
Ryokai nem se alterou. Escutou as palavras de Jitsunossuke, silenciosamente e respondeu com emoção profunda e saudosa: "Exatamente, eu sou o assassino fugitivo do seu pai. Fico muito satisfeito por encontrar-me finalmente com o senhor agora."
Jitsunossuke comoveu-se ante a figura do monge, mas continuou as suas palavras, resistindo à vacilação, própria do sentimento humano: "Então prepare-se, fique em postura própria para aceitar o castigo divino pelo seu crime."
Ryokai concordou, calmamente, com a ordem de Jitsunossuke. Porém, interiormente, lamentou-se profundamente, pois a sua obra ainda estava incompleta. Ele esperava ver a realização integral do túnel. Havia apostado a sua vida inteira, ardentemente, durante mais de 20 anos seguidos na execução do túnel e pensou: "Eu não tenho o direito de abusar mais da caridade de Deus. Esta é a recompensa dos meus crimes."
Ele preparou-se para morrer, dizendo: "Senhor Jitsunossuke, estou pronto ! Eu quero receber imediatamente o castigo. O senhor ficará muito satisfeito em dar cabo da minha vida com a sua espada, perante a minha obra quase acabada."
(continua)