A garrafa muda que sabe escrever – Quão grande beleza
A noite se aproximou feito um trem em alta velocidade. E tal como a locomotiva traz em sua face o clarão de um olho esperto, aquela segunda fase do dia trouxe no centro do seu rosto um pingo imenso e iluminado. Como sempre, estava linda. Vestida de branco e banhada de luz, a lua surgira pomposamente e num instante já desfilava com passos ensaiados e sorriso celebrado. Sem medo das frases repetidas: estava linda, indubitavelmente.
Eu permanecia debruçada na soleira da janela e observava assiduamente aquela cena; um hobby, digamos assim. Mas naquele dia ocorreu algo diferente. Antes que a lua se fosse dos meus olhos , uma ousadia aguçada pela curiosidade despertou-se dentro de mim. Num instante fiquei sem entender, perdida, mas sem muita demora abri a janela e de repente meus lábios se puseram a mover quase que involuntariamente. O impulso dos fatos me fez estranhar a mim mesma.
– Senhora, desculpe-me o incômodo, mas tenho que perguntar: não é ruim saber que uma beleza como essa que te orna fica trancafiada nesse quarto escuro que é a noite? Digo, quem a vê? Estão todos dormindo a essa hora. E mais: pela manha e à tarde todos têm tempo de sobra para admirar o Colosso…Mas logo à noite…Nem sabem quem é a senhora.
A lua estacionou a mão debaixo do queixo e se pôs a pensar. De repente, um estrondo.
– Que coisa chata, garota. Por que fez isso? Agora me sinto uma belíssima coitada.
– Não queria…
– Não, não, agora já disse. E palavras não voltam.
– Desculpe…
Ela me fitou com um olhar sério. De repente um sorriso rasgou suas fortes expressões. Aliviou-me um pouco.
– Não se preocupe. Você só me fez pensar, e geralmente eu gosto de deixar as coisas como estão.
Não soube como prosseguir. Ela então tomou meu lugar.
– Mas o que você disse faz sentido, muito, por sinal. E agora analisando os fatos, descubro que será assim para sempre…
E a lua sumiu dos meus olhos.
Naquela mesma noite, antes de entregar-me ao sono, cheguei numa conclusão: Quem cede sequer um minuto do seu tempo a apreciar o sol? Ou melhor, quem consegue tal proeza? E com essa mesma indagação consegui avançar um pouco mais: Ostensividade demasiada traz sobre o ostensivo um pouco de desprezo que talvez ele não goste. Fim.