Vacation!
(da série Crônicas de Nova York )
Já contei para vocês que fui para Nova York? Pois é, fui. 20 dias. Eu e minha namorada. Um passeio e tanto, podem acreditar. Conhecemos praticamente todos os pontos turísticos, ruas, avenidas, ruelas, praças, parques, barraquinhas de cachorro quente, esquilos, um bocado de coisas. Duas mil e quinhentas fotos. Sim senhor, é foto pacas. Artistas de rua, placas, prédios, museus, bares e restaurantes de todo o mundo. Gente de todo mundo. Uma loucura. Aliás, em Nova York falam-se línguas de todos os cantos da terra. Numa única quadra você pode ouvir japonês, francês, italiano, eslovaco, indiano, português… Aliás, pensa num lugar onde se encontra brasileiros. Eles devem sair até dos bueiros. Entopem portas giratórias, invadem as lojas cujas promoções são “50% off” e adoram 3 lugares em especial: a arquibancada da Times Square, a 5ª Avenida e a lojinha da Apple.
Mas sobre os brasileiros falarei outro dia. Hoje vou escrever sobre a língua. Não falo inglês. “20 dias em Nova York, sem inglês?” Exatamente. Para ser sincero, você não precisa falar inglês para ficar um tempinho em NYC. A cidade é tão turística, existe tanta gente falando tudo que é dialeto, que se criou um tipo de código entre vendedores, prestadores de serviços locais e os visitantes. No fim das contas todo mundo se entende e, salvo uma ou outra surpresa, você consegue comprar, pedir ou chegar aonde bem queira. Sem comentar no espanhol. Muita, mas muita gente mesmo, fala espanhol. Aí, basta você dar uma entortada numas palavrinhas aqui, fazer uma mímica ali e tudo se resolve.
O problema é que sei disso hoje, depois do meu retorno, mas não foi assim até a minha chegada por lá. Eu estava realmente preocupado e dias antes fiz um cursinho de inglês online. “Ai Love Roquenrrol!” O problema é que foi um “curso” via aplicativo gratuito. Então…
Bom, no avião já tivemos algumas dificuldades. Coisa boba, mas que para você aí, que não tem a minha capacidade de adaptação linguística, pode complicar. Tudo começou na hora da jantinha da American Airlines. Lá veio a comissária de bordo com o carrinho-restaurante perguntando o que as pessoas queriam. De longe já apurei o ouvido buscando entender o que ela falava, quiçá pescar uma palavra aqui, uma expressão acolá. Logo percebi que eram apenas duas opções gastronômicas. Maravilha! Duas opções eu dava conta de decidir, mesmo em inglês. Além disso, duvido que as alternativas fossem, sei lá, “Fortress Stilt Fisherman Indulgence”, servido com compota de romã, ou “Buddha Jumps Over the Wall”, com croutons folheados a ouro. Não senhor. Ainda mais na “Classe Econômica E”, onde nos assentávamos.
Aliás, um adendo. Há 5 classes em voos internacionais, pelo que percebi. A “A” (dividida em clientes prata, ouro e platinum), a B, dos emergentes, e as econômicas C, D e E. Portanto, já percebeu o poderio financeiro do seu Beto, né? Assunto para outro texto.
Voltando à questão aeroculinária, dito e feito, na “Econômica E” as opções eram “beef or chicken, sir?”. Uhu! Essas eu conhecia. Quando a moça chegou perto, estufei o peito e mandei “beef, please!” E, pasme!, ela me entregou a janta direitinho. Carne e acompanhamentos, na mosca! Puxa vida, isso que era falar inglês. Já começava a pensar se eu poderia ser tradutor de livros de Mark Twain ou guia turístico no Central Park.
Passado o imbróglio alimentício, que nos deixou claro que ao menos não passaríamos fome durante a nossa estada, tínhamos agora que nos acercar de conseguir entrar no país. Ainda durante o voo, recebemos um formulário de imigração que era para ser entregue às autoridades americanas quando desembarcássemos. Lá havia perguntas simples, como nome, endereço, nacionalidade, etc., mas também algumas mais complicadinhas, onde se devia marcar X. Ainda bem, pois X é X em qualquer língua. Só não sabia se devia marcar X no SIM ou no NÃO. Comecei a ler e logo percebi que o NÃO era a resposta adequada a todas. Bom, decidi isso com o meu afiado inglês, testado à base de “beef”, e também porque dei uma espiada nas respostas dos coleguinhas das poltronas em volta. Mas juro que foi a primeira vez na vida que colei, viu, mãe?
Desembarcamos e fomos para a fila da imigração, de formulário em punhos. Frio na barriga. Ao fim da fila havia vários cubículos com policiais americanos fazendo perguntas americanas utilizando o diacho da língua inglesa. Tudo bem, sem pânico. Ensaiei um “Mim Beto” e tudo daria certo. Minha namorada neste momento parecia apavorada. Um apavoro silencioso e trêmulo, se é que me entende. Estresse pré-traumático, calculei. Até no português ela travou. Perguntei se ela estava bem e só ouvi um fio de voz. Foi triste de ver. Culpa de toda essa pressão no processo migratório. Uns sádicos esses americanos, convenhamos, torturando as pessoas desse modo cruel e psicológico. Mas, enfim, não havia outra saída. Ou melhor, entrada.
Quando chegou a nossa vez, nos direcionamos até o oficial, entregamos nossos passaportes, passagens e ficamos o encarando, só esperando. Ele conferiu, conferiu e, sem sequer levantar o olhar, perguntou bem baixinho, de propósito, só pra complicar: “What is the reason for the trip?”
Hoje eu sei o que ele perguntou, pois o texto é meu e eu decido as frases, mas, na hora, estancamos. Minha namorada começou a gaguejar uma vogal qualquer e soltou um “hã?”. Já meu cérebro tentava em fração de segundos recuperar as palavras do moço, “O que ele disse? O que, raios, ele disse?”, para pelo menos dar alguma resposta que não fosse um gemido.
Logo ele percebeu o problema, levantou o rosto lentamente, com aquele olhar de “mas que saco!”, nos encarou com preguiça e só disse “The reason?”
– “Vacation!” – respondi prontamente, torcendo para que a palavra fosse aquela.
O policial balançou a cabeça, “tstststs”, carimbou o passaporte e “Enjoy!”
A partir daquele momento era oficial: sabíamos nos comunicar em inglês. No nível “Classe Econômica E”, é bem verdade, mas e daí!
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