“Por que você não trouxe o shampoo?”

Começando as aulas de hidroginástica sem muita animação, pois ficar do trabalho direto, inventando o que fazer por mais uma hora, quando o que mais se quer é só deitar... só poderia ser um ato de resistência ou obstinação. Coragem mulher – mas dá pra inventar ver uma novelinha do dia anterior, ou isso ou aquilo, e se o sono deixar, debruçar os olhos em Teresa Batista cansada de guerra. Chegando ao vestiário da academia, ainda insisti com a leitura, entretanto duas “aborrecentes” entraram todas serelepes. E fiquei assim: com os olhos no livro mas com os ouvidos nos timbres das duas.

- Pérola, você me empresta o shampoo?

- Empresto, vem aqui comigo.

Mas a outra não foi para a mesma ducha. Talvez já sinta vergonha das suas “vergonhas” ou já foi aconselhada a não ficar com intimidades com outras meninas ou meninos. E pergunta de novo...

- Você me empresta?

Pérola se impacienta e diz que sim, por que não vem aqui? Mas a menina (que não me lembro o nome) não responde a pergunta e só fala que está em outra ducha. Pérola desiste e logo indaga:

- Seu cabelo é liso?

… sem resposta...

- Seu cabelo é liso? Insiste. É que este shampoo é para cabelos lisos.

- É igual ao seu.

- O meu é ondulado.

- O meu é liso.

- Liso? Mas não é igual ao meu?

Fico pensando... as duas se conhecem, como não saber que tipo são seus cabelos? Ter que perguntar... mas são crianças... e crianças ou adolescentes (é quase a mesma coisa) conhecem o mundo talvez mais por rótulos do que pela realidade. E a realidade se mostra por nomes, nomes que por certo elas nem sabem direito o que significa, mas está escrito... por que tantas diferenciações para cabelos, pele oleosa, seca ou mista, absorvente disso, papel higiênico daquilo, com as fraldas deve ser mais ou menos assim também, ai jesuis! Porque a diversidade existe e as necessidades diferenciadas também? Já usei creme para cabelos encaracolados, ondulados, lisos – e a sensação que tenho é que não vi diferença – ou isso é querer demais?

- Você vai me emprestar o shampoo? Mais uma vez ela pergunta.

- Já falei que sim, pode vir pegar. Por que você não trouxe o shampoo? - esta pergunta me fez estremecer, que garota ousada!

- Esqueci.

Como se pode utilizar um por que tão direto? Não se poderia deduzir a resposta? Ou pensar: isso não é problema meu, vai que ela diga que não tem dinheiro para comprar, ou que a madrasta jogou seus pertences pela janela, ou que a família é naturalista e usa sabão preto – não, não quereria saber o motivo... não ousaria. Contudo a corajosa perguntou sem medo da resposta, que foi a mais óbvia possível – o esquecimento.

Acho graça quando as pessoas perguntam (e eu também para não ficar de fora): tudo bem? Tudo. Tudo bem mesmo? Tuuuudo. O mundo pode estar desabando, a noite pode ter sido mal dormida, o cachorrinho pode ter sido atropelado – mas quase todos querem o seu quinhão de poliana ou têm receio da maldição do Segredo: coisas ruins atraem coisas... nem é bom repetir a palavra. Pior ainda se a pergunta for por telefone. As pessoas que me conhecem sabem que o telefone é para mim, uma autêntica máquina de fazer gaguejar. Não imagino conversas longas ou delicadas por telefone, pois este meio de comunicação já me parte ao meio. O tudo bem por telefone, soa para mim como um mero e insignificante – hoje fez sol. Porque não tem a mirada nos sinais do corpo, não tem a pausa antes da resposta que já diz muita coisa, não tem a solidão de um local mais apropriado ou o tempo que às vezes se precisa para dizer, refletir, repensar, reelaborar. Falta muito para este limitado recurso fônico e quando se tem estas condições, não raras vezes, falta a vontade do interlocutor de olhar mais a fundo ou do receptor, coragem de se mostrar.

Tem um cara super cômico (para mim, acho que não o é para o mundo) que na sua seriedade e ansiedade, ele coloca um sorriso de retrato na cara e diz:

- Tudo bem? E já responde: tudo né. Que bom.

Certa vez até fiz o teste: respondi não. Mas como ele emenda tudo, pergunta e resposta, nem percebe o que o outro diz. Fico meio apavorada quando pergunto o famoso tudo bem. E se a pessoa responder não – ai, o que farei? tenho tempo pra fazer perguntas ou escutar, para me colocar à disposição, para ajudar (vixe! que medo). A verdade é que para as pessoas que gostamos, isso até é fácil, vem naturalmente, mas com pessoas não tão próximas assim, fica o receio... o que devo fazer, como?

Que redemoinho que isso virou. Chega de asneiras! Só queria confessar a minha admiração pela ousadia (ou coragem?) da pergunta... por que você não trouxe o shampoo...