A Grande Lavanderia
Conheci o Nilson ainda na década de 1970. Ele era representante de medicamentos e viajava pelo interior do Rio nas regiões Norte/Nordeste do Estado, mas conhecia tudo. Desde os bons comerciantes, os bons pagadores, até os salafrários de menor, médio e grande risco. À época havia muita dificuldade para encontrar-se uma pousada digna para ‘descansar o esqueleto’, como o Nilson costumava designar, daí porque, era comum darmos voltas para, enfim, passar a noite, principalmente nos finais de semana, feriados, etc.. Ficamos amigos.
O Nilson gostava de falar da vida das pessoas das comunidades que atendia. Desde a vida das ‘meninas’ – como gostava de designar as prostitutas, até as garotas ‘enrustidas’, que só gostavam de viajantes. Estas últimas não se abriam para os rapazes da sua cidade. Ficavam de espreita e sabiam que tinha ‘peixe novo’ no ‘pedaço’, pelo movimento de veículos e pessoas nos hotéis, a partir das 18 horas. Sempre encontravam um jeito de se aproximarem de um ou de outro, sutilmente, até fisgarem seu ‘peixe’. Os pontos de assédio ficavam no centro, próximos aos hotéis e restaurantes. Os caras menos dotados de ‘papo’ dirigiam-se às ‘casas de tolerância’. Os mais espertos passavam em revista algumas ‘minas’ que faziam o ‘trotoir’ diário, como se estivessem ‘rodando a bolsinha’. Era uma brincadeira de gato e gata, até que se dava o diálogo fatal e ambos se entendiam. Ou não...
Fora isso, a cidade apresentava outras características: pequena quantidade de milionários, proprietários de
mais de 50% de tudo que ali se fazia. Comerciantes, proprietários de imóveis de aluguel, construtores, agiotas
travestidos de fazendeiros, e até funcionários públicos corruptos. Isso, numa cidade que detinha uma
população de menos de 100 mil pessoas... Entre tais marginais, havia os ladrões de carga, intermediadores
de crimes de aluguel, ladrões de gado, grandes e médios sonegadores (a sonegação de impostos é um mal
que perpassa a alma do brasileiro), e por fim, funcionários públicos corruptos, cujos bens eram incompatíveis
com a renda, mas que, via de regra, passam por cidadãos honoráveis, portadores de títulos e homenagens,
com seus nomes em prédios, praças, instituições, etc. Segundo a narração do Nilson, que eu passei a anotar
sem que ele suspeitasse, entre tais criaturas, criou-se um vínculo de mútua ajuda, visando burlar as
autoridades constituídas. E para isso, várias figuras importantes foram aliciadas para compor o seleto
grupo de marginais que formara uma organização criminosa, lastreada no esquema da ‘Cosa Nostra’,
braço da MAFIA Siciliana dos Estados Unidos da América, cujo principal comandante era o famosíssimo
‘Al Capone’. Alguns apresentavam uma terceira pessoa para representá-los. Podia ser um contra-parente,
um compadre, um amigo fiel.
City – A Grande Lavanderia
- No final das contas, dizia o Nilson, a cidade passou a funcionar como uma grande ‘lavanderia’... E explicou: - Os negócios passaram a ser feitos de forma triangular e jamais os cabeças das grandes falcatruas apareciam inicialmente. Mais tarde, sim. Tudo ficava ‘nos conformes’, sem chamar a atenção de quem quer que fosse. Desde as ocorrências policiais, os inquéritos que nunca chegavam a bom termo ou se chegavam, eram desmontados na esfera do judiciário, braço importante da ‘marginália instalada’, processos que nunca eram julgados, aliciamento de testemunhas e desmonte de provas, a famosa ‘queima de arquivo’, entre outras modalidades de crimes, faziam a completa impunidade. Além do que, o grupo era defendido pelos melhores advogados, tanto a nível local como na capital ou mesmo em Brasília... O produto destes crimes era aplicado em pequenos, médios e grandes empreendimentos. Parte do dinheiro era remetido para contas dos mais aquinhoados em paraísos fiscais, ora nas Ilhas Cayman, ora na Suiça...
– Pessoas físicas e jurídicas passaram a reunir-se em pequenos, médios e grandes conglomerados. Assim, passou a acontecer algo inusitado: pessoas de classes profissionais diversas apareciam em organizações como sócias ou pessoas jurídicas fundiam-se com outras, tudo isso sendo feito às claras, isto é, sob a guarda da nossa rígida legislação fiscal; ‘rígida’ para quem trabalha com um mínimo de honestidade, mas pródiga em malandragens em favor dos sonegadores...
Observando a vida de outras comunidades e lendo o noticiário, concluímos que tais organizações estão espalhadas em quase todo o país, tanto no negócio das drogas, do jogo ilícito e, por último, nos assaltos à caixas eletrônicos de Bancos e Loterícas. Sem falar nos mais novos ‘rolezinhos’ que seria uma espécie de ‘ensaio’ para chamar a atenção da polícia, enquanto outros grandes crimes se realizam em todo o país...