À ESPERA DE UM MILAGRE
Chegou dinheiro, temos que gastar. Em empresa pública é assim mesmo. Tem muitas obras paradas à espera de verba que estava prevista vir mas ainda não chegou. Aí, quando chega é todo mundo querendo abocanhar um naco do crédito.
Como eu tinha umas reformas a serem feitas, catei meus papéis, os orçamentos e fui lá no chefe. Tinha que pegar o aval dele pra fazer as reformas. Porque é ele quem decide o destino de toda a verba que vem. Decide porque a responsabilidade pelo que é feito recai sobre ele. É o ônus e o bônus da função.
Coronel, temos esse orçamento para reformar o material histórico do quartel. São duas charretes de campanha inteiras e mais duas rodas de outras duas. O valor é um pouco salgado, mas é que necessitamos de mão-de-obra externa ao quartel. Aqui não tem nenhum ferrador que prensa a madeira no ferro. E tem que ser um trabalho bem feito.
Peito estufado, olhava bem feliz pro patrão. Ia conseguir a verba, reformar os materiais e tudo ficaria bonito. Satisfação pessoal!!! Mas eis que vem a resposta... Não, temos outras obras mais importantes que essa. Tem Passagem de Comando daqui a dois meses e o dinheiro é pouco para isso. Tem também os PNR. Deixa para que o outro comandante reforme.
Sabe quando um cachorrinho caminha cabisbaixo, com o rabo entre as pernas, tristonho, não entendendo por que gritaram com ele? Pois é, este cronista assim estava. Não houve o grito, mas igualmente ao bichinho não entendia o pedido negado. E fiquei matutando que outras coisas tão mais importantes havia que não sobrava nem um pouco paras as minhas charretes...
Quais são, então, as obras tão mais importantes? Simples... por saber já a resposta é que saí tão decepcionado da sala do chefinho. Reformar algumas instalações para que fiquem bonitas quando da passagem de comando, pintar os prédios, e obras desse tipo. Se fosse apenas isso, tudo bem, não reclamaria. Porque são obras em função do próprio quartel. Mas eis que há obras também nos PNR. E ali, sim, para mim ao menos, mora o problema...
PNR (Próprios Nacionais Residenciais) são as casas ou apartamentos de militares. A saber, Oficiais, Subtenentes e Sargentos. Sem vez para Cabos estabilizados. Há uma divisão entre as moradias de Oficiais, que compreende Tenentes, Capitães e vai subindo. Inclui-se a casa do Comandante do aquartelamento. E os Subtenentes e Sargentos concorrem entre si pelas vagas. Não são muitas as moradias para as classes, por não são todos que ocupam. Entra-se numa fila de espera e à medida que vão desocupando, os primeiros da lista ocupam.
Se ainda não surgiu a pergunta na cabeça do leitor, faço-a: quem paga as reformas dessas casas? A lógica diria que é o próprio militar, que fez usofruto das instalações e quando sai, assim como o aluguel em qualquer imobiliária, pinta e arruma o que estragou. Ledo engano. É cobrado um aluguel, simbólico, talvez por desencargo da consciência de quem regulamentou. Quanto ao resto, tudo responsabilidade do quartel.
É nisso que vão os créditos que pedi para a reforma das charretes! Deixou-se de investir na manutenção da história de um quartel para reformar a casa de um militar...
Dessa forma, explico como as coisas acontecem. Se estragou a tampa do vaso, lá vai o soldadinho do pelotão de obras arrumar. Furou a parede com quadros e está indo de mudança? Não precisa pintar, não. Nem pôr massa corrida. O quartel manda um soldado da manutenção pra dar um jeito. E a torneira da União jorrando dinheiro numa coisa que o morador, ou locatário, poderia muito bem fazer.
Aí acontecem absurdos que devido à corrente incidência, já parecem normal. Desde que se incorpora na Força, já se sabe que isso existe e é encarado com tanto naturalidade que contestar isso pode ser julgado como subversão.
Concordo que todas as pessoas necessitam de moradia digna para viverem com suas famílias. Também acredito que o Estado precisa auxiliar os seus funcionários quanto à moradia. Mas gastar dinheiro da União à toa, dessa forma, é ridículo.
Já há uma Guarda da Vila Militar. Ou seja: as casas, além de serem quase de graça, tem segurança... gratuitamente! Ou melhor, gratuitamente não. Há um preço, pago pelos impostos, que sustenta toda essa máquina. É o salário dos soldados que ficam de guarda, do cabo e do sargento que são responsáveis pelo serviço e o combustível da viatura (caminhão para os civis) que leva-os até o trabalho e as refeições.
Enquanto isso, na chuva e no sol, ficam lá, a esmo, as coitadas das charretes... À espera de um milagre, à espera de um Comandante que dê atenção à história e invista um pouco o dinheiro dessas casinhas gratuitas em algo mais útil.