TRAGÉDIA CARIOCA

Foi assim durante quase três décadas. Logo cedo alguém punha a velha no sol; logo depois, às vezes nem tão logo assim, outro alguém tirava a velha do sol. Todos os dias, exceto nos de chuva brava.

No começo, era quase farra, tarefa dividida pela família. Filhos, noras e netos e afins se revezavam. O cachorro de estimação se divertia a valer, com a turma empurrando a cadeira de rodas da velha até o quintal.

As crianças cresceram, foram cuidar da vida. O cachorro de estimação morreu. Seu substituto odiava a velha e sua cadeira de rodas.

A tarefa de pôr e tirar a velha do sol virou função da empregada. A situação apertou. Sabem como é? Viver de aposentadoria é uma merda. A empregada se foi com os salários atrasados. Com ódio de todos, especialmente da velha.

Alquebrados, filho e nora passaram, então, a dividir a tarefa de pôr e tirar a velha do sol.

Naquele dia, cumpriram parte da tarefa: colocaram a velha no sol.

Rio, 45 graus.

E ela, a velha, que era tão branquinha, foi enterrada mais escura que Clementina de Jesus.

Nenhuma lágrima foi vertida.

Orlando Silveira
Enviado por Orlando Silveira em 16/01/2014
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