TRAGÉDIA CARIOCA
Foi assim durante quase três décadas. Logo cedo alguém punha a velha no sol; logo depois, às vezes nem tão logo assim, outro alguém tirava a velha do sol. Todos os dias, exceto nos de chuva brava.
No começo, era quase farra, tarefa dividida pela família. Filhos, noras e netos e afins se revezavam. O cachorro de estimação se divertia a valer, com a turma empurrando a cadeira de rodas da velha até o quintal.
As crianças cresceram, foram cuidar da vida. O cachorro de estimação morreu. Seu substituto odiava a velha e sua cadeira de rodas.
A tarefa de pôr e tirar a velha do sol virou função da empregada. A situação apertou. Sabem como é? Viver de aposentadoria é uma merda. A empregada se foi com os salários atrasados. Com ódio de todos, especialmente da velha.
Alquebrados, filho e nora passaram, então, a dividir a tarefa de pôr e tirar a velha do sol.
Naquele dia, cumpriram parte da tarefa: colocaram a velha no sol.
Rio, 45 graus.
E ela, a velha, que era tão branquinha, foi enterrada mais escura que Clementina de Jesus.
Nenhuma lágrima foi vertida.