O que tem para o jantar?
Daniela está na sala, sentada no sofá, braços cruzados e pernas também, assistindo a novela das 9, vestida com um jaleco branco puído. Gritos de crianças são ouvidos, como se uma tentasse gritar mais que a outra. Carlos chega, recosta-se no batente da porta e também cruza os braços.
-Querida...
Ela olha para ele com cara de reprovação.
-O que tem para o jantar?
Daniela descruzou os braços furiosamente.
-Eu sabia...- Fez um muxoxo.
Carlos arqueou as sobrancelhas.
-Como...
-É...-olhou para ele rapidamente, depois voltou-se para a novela.
-Não entendi.
Daniela riu, desconcertada.
-ham...não entendeu, eu trabalho o dia inteiro naquela clínica feito uma maluca, volto pra casa pensando em descansar um pouco, assistir a minha novela, ficar pelo menos um pouco parada, assim...sem fazer nada, - aponta para o televisor - , quando chego, descanso meu corpo cansado aqui!-socou o sofá-, sou escravizada! Eu devo ser maluca mesmo...
Carlos só ouve Daniela dizer “Blá-blá-blá...”, ele remexe os lábios e murmura, como se estivesse cansado de ouvir a mesma coisa todos os dias, porém essa era a primeira vez, a primeira explosão.
-Tá com...tá bom...
-“Tá bom nada”, estou um caco, não vê! Eu ainda tenho que lavar roupa, passar e cuidar dessas crianças que só sabem gritar e gritar...
-Aham...- checando o corte das unhas.
-E você, que não faz nada naquele seu escritório, aliás, faz tempo que não vejo ninguém entrar mais naquela espelunca...
-É...
Daniela tornou a cruzar os braços.
-Eu não sou mais nada nesta casa mesmo!-Cruza os braços, fatigada de tanto desgosto.
-É... – ele olha para o chão, em devaneio profundo, volta-se para a esposa, como se tivesse acabado de acordar de um sono magestoso-, mas... o que tem para o jantar mesmo?