Doença da alma

Às vezes sinto a morte por perto. Meu corpo vaga por entre os veios e seios desta sociedade que ora me sufoca. Tudo me parece nefasto e cinzento nesta quietude morna de fim de semana.

Do lado de fora o submundo ri de mim sem qualquer constrangimento, como se eu fosse um bicho exótico completamente selvagem no meio da multidão calada e tola, por vezes, desgovernada.

Desolado saí pra rua. Antes que a noite viesse impiedosa, escondi meu rosto por entre as mãos, escondi meu corpo por entre as sombras dos troncos das árvores desfolhadas e disformes que, mais pareciam monstros obesos fincados nas calçadas. Pela primeira vez na vida, senti medo. Medo das pessoas que me olhavam, medo dos carros que passavam em desacordo com os sinais luminosos do semáforo, medo das regras que aprendi nas escolas da vida.

Confesso: senti vontade de esconder de mim mesmo, vontade de vomitar, de ignorar a minha própria existência. Colocar cadeado na minha boca e na dos meus filhos e quem sabe dos meus netos, bisnetos e tataranetos. Meu corpo já não reconhece a minha própria carne, muito menos minha diminuta luz.

Desejo esmagar minha imagem no espelho sem dó ou piedade; usar meus punhos contra o que construí neste mundo descabido de visões que passam em minha mente no dia a dia, de hora em hora, de minuto a minuto.

Neste momento único e solitário, arrasto minha alma para o repouso. Minhas forças estão por um triz, minhas palavras perderam a identidade e a compostura. Tudo que de mim restou foi o desespero de chegar à velhice, olhar para trás e ver que o mundo continua girando na mesma órbita que encontrei. Nada foi feito por mim, mas o que mais me dói é esse ar de piedade e desconforto que paira nesse belo horizonte que meus olhos alcançam. Cada rosto que vejo traz lembranças amargas, cada mão que era estendida me chegava sem os dedos.

Agora choro... as lágrimas despencam, escorrem, molham o chão. Por outro lado a semente não germina, não vinga, não floresce. Nem a luz reproduz minha imagem com perfeição.

Certamente deixei a vida passar pelo espelho como um rio caudaloso, manso, que nunca enfrentou as rochas. Acho que é por isso que estou em desalinho. Melhor seria espatifar-me nas ribanceiras, nos penhascos ou no dorso dos troncos que descem as cachoeiras sem destino, sem vontade de chegar. Sempre sonhei que sou um deus, mas agora acordado, percebo que meus podres poderes são inusitados, vejo que a sociedade fez de mim, uma máquina de produzir riqueza, uma máquina de uma peça só. Um aparelho desumano chamado vulgarmente de homem.

Pedro Cardoso DF
Enviado por Pedro Cardoso DF em 26/04/2007
Reeditado em 07/10/2017
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