Dois altares
Por instinto tiro o boné quando adentro na Igreja do Rosário dos Pretos de São Benedito. É uma pequena construção em estilo barroco erguida há quase 60 anos no mesmo local em que escravos ergueram a igreja original em 1737. Tenho a impressão que é justamente nesta primeira igreja que entro, tamanho é o retorno no tempo daqueles que caminham pelo Largo da Ordem, o centro histórico de Curitiba. A arquitetura antiga e a simplicidade da igreja não deixam adivinhar as tecnologias que existem do lado de dentro.
Nos dois lados do altar eu encontro telas grandes que exibem as intenções do dia – aqueles pedidos de uma graça em especial, agradecimentos por uma bênção alcançada, orações pelos parentes falecidos e pelas almas do purgatório. Não é mais necessário que alguém use um microfone e as leia uma por uma, coisa que certamente cansa a todos. Agora basta que ergam a cabeça e leiam, o que deve ter facilitado inclusive para o próprio Deus, que caso perca alguma intenção pode vê-la repetida na tela dali a alguns minutos. Também há um rosário sendo rezado, mas como não há muita gente na igreja atribuo isso a uma gravação. De repente reina um silêncio absoluto, tão inacreditável quanto qualquer outro.
Tento observar alguma característica especial no altar da igreja, mas a verdade é que dificilmente ele me causaria maior comoção do que aqueles que estão praticamente escondidos no Memorial de Curitiba, logo abaixo na mesma rua. São dois altares retábulos feitos de madeira de cedro maciço, construídos em Portugal e que estiveram nas laterais da igreja matriz de Curitiba entre os anos de 1780-1876. A data me impressiona, porque significa que há mais de 200 anos, quando entravam na igreja, os meus antepassados vislumbravam e contemplavam estes mesmos retábulos que hoje eu tenho a oportunidade de vislumbrar e contemplar.
Num mundo que se transforma tão rápido e em que o presente engole tão ferozmente o passado, não deixa de ser uma experiência impressionante.