Com que carta eu vou?
Dia desses me peguei pedindo o endereço de alguns dos meus amigos. Fiquei saudosista com o tempo em que escrevíamos cartas à mão. Tudo girava em torno de uma ansiedade que vinha em forma audiovisual, só bastava um grito do tipo "correioooo" e uma camisa bem amarela para corrermos até a porta de nossa casa em busca de um envelope, de um cartão postal ou de natal.
Não faltavam ideias para por em prática num papel em branco que parecia uma matéria simples. Este trazia consigo um conjunto de sensações retratadas a partir da caligrafia que podia ser lembrada por suas transformações ao longo do tempo, pelo cheiro do papel ou do perfume que escolhíamos para por na folha, a fim de nos transportarmos para mais perto do destinatário, e, no fundo, o cheiro parece que trazia o remetente mais pra perto, pra dentro da gente, aumentando saudades, aliviando o choro, o nó na garganta ou o riso travado.
A carta tinha as suas exigências estéticas, começava com os dados periódicos, depois os pronomes de tratamento que, de cara, já dizia o tom que a devíamos ler. Imaginei diversas vezes a sonoridade de quem escrevia, empreguei o meu coração em diversas linhas, o meu perfume e utilizei sem egoísmo os melhores papeis de cartas da minha coleção para escrever o que alma sentia, o que o coração pedia e que neste momento razão nenhuma obedece.
Escrever à mão era decorar o papel depois de ter feito o rascunho, de ter a preocupação de não errar a ortografia, de escrever com canetas coloridas, de revelar uma foto especial, um adesivo, desenhar, rabiscar o que a alma pedia em verso e você traduzia à forma que se queria. Naquele envelope um mundo de sensações habitava a mente de quem o rasgava com receio de perder um pedacinho se quer. Não eram apenas palavras que iam ali dentro, era uma composição feita pelos cinco sentidos: ESCREVER, OUVIR, CHEIRAR, OLHAR, SENTIR...
Quando entreguei minhas cartas escritas à mão recentemente no correio, percebi a expressão surpresa do funcionário ao constatar que alguns dos endereços não eram de outras Cidades ou Estados, mas de Bairros bem próximos aos meus. O que talvez ele não soubesse é que a minha iniciativa também se baseava na vontade que eu tinha de que outras pessoas também pudessem voltar a escrever cartas à mão e enviá-las pelos correios. O receio que tenho é que a geração da minha filha – que ainda não existe- não possa ter o prazer de saber, ler, receber, escrever uma carta escrita à mão, afinal, a famigerada tecnologia a partir do uso do e-mail fez ganhar-se tempo, encurtou distancias, mas tornou frívola a maneira que tínhamos de constatar num papel não mais em branco a permanência dos cheiros, Das fotos reveladas, a mudança da caligrafia e a romântica sensação de que o carteiro bateria a sua porta não para deixar faturas, mas para trazer lembranças que poderiam estar do lado de cá ou de lá.
Há muitas coisas para serem ditas numa carta à mão que não podem ser ditas por um e-mail, é esta a sensação que tenho quando penso que posso estar nas mãos de alguém concentrado no que eu digo.
Certamente, a minha letra mudou e foi para pior, pois a acomodação do teclado tira a beleza da caligrafia diária, mas a minha vontade de dizer continua sendo a mesma daquela primeira cartinha que recebi e retribui no Natal de 1996, desde lá, fiquei sempre à espera de um correio...