Nostalgias Infantis

Depois de comer o doce e tomar um pouco d´água, melhor dizendo, no instante em que tomava água, logo após ter comido o doce, por alguns segundos transportei-me no tempo , tempo remoto, distante, tempo da minha infância.

E, lá longe, cristalizado no tempo , estava eu, calção azul, camisa branca, meia branca, sapato conga azul e uma pasta para carregar os livros. Na parte inferior da pasta havia um espaço onde podia se colocar duas fotografias no tamanho três por quatro.

Dentro da pasta num compartimento específico colocava o lanche que variava entre um pão francês recheado com doce, ou bolachas com bananas. Éramos felizes, eu e meus coleguinhas de sala de aula, a única maldade que havia entre nós era a que é intrínseca na própria natureza humana, aquela que já nascemos com ela. Não premeditávamos o mal, apenas vivíamos e nos comportávamos de conformidade com nossa idade, fazendo peraltices, brincando, etc...

Tudo era lúdico, tudo era sonho e fantasia, mas não sabíamos, apenas vivíamos. Éramos felizes mas não tínhamos essa consciência, consciência que nos acorda, que nos desperta dos doces sonhos para a traumática realidade da existência, da vida.

É verdade que enquanto cantávamos o hino nacional em sala de aula, ao mesmo tempo pessoas eram torturadas e mortas nos sombrios e aterrorizantes porões da ditadura militar. Mas mesmo assim éramos felizes, éramos apenas inofensivas e inocentes crianças como tantas outras que brincavam, corriam e sorriam, alheias a medonha atrocidade.

Cercada por árvores de grande porte como a azeitona, a jaca, o cajá e outras árvores mais, na verdade um sítio, encontrava-se ou situava-se ali a Boite só nós Dois. Assim denominava-se o primeiro motel estabelecido naquelas cercanias, destacando o fato de que o referido motel estabeleceu-se contrariando o gosto daquelas famílias cujo patriarca na qualidade de defensor da família, bem como da moral e dos bons costumes jamais concordara com a instalação de um comércio daquela natureza , mesmo que tais defensores , por vezes, às escondidas , costumassem frequenta lupanares, entregando-se aos prazeres, a luxúria.

Lá longe, também cristalizado no tempo está o registro, a marca, as lembranças de um lindo, verdadeiro e puro sentimento de amor. Tratava-se de uma linda garotinha, coleguinha de classe, de olhar meigo e profundo, eu a amei como um menino ama, sem maldades , interesses, machismos, proibições ou qualquer outra forma de restrição. Tê-la comigo em sala de aula todos os dias alegrava-me e envolvia-me mais e mais a ponto de sentir sua falta nos dias de sábado, domingo ou feriado. Eu a amava, a amava com alma de criança.

No final do ano as provas finais, expectativa, festa, alegria, ou seja, todos os coleguinhas ficavam aguardando o resultado da prova, todos éramos aprovados, e felizes retornávamos para as nossas casas com as respectivas provas para mostrarmos aos nossos pais. Tudo era graça, tudo era luz, tudo era paz. Agora era só esperar o mês de dezembro terminar para em janeiro na companhia do meu pai ir a livraria fazer compras de livros, lápis de cor, cadernos, bem como papel madeira para fazer as encadernações.

Eu era feliz, eu fui feliz! Mas, não sabia, sabia que um dia seria gente grande, como as pessoas que comigo conviviam, mas não dava importância a tais pensamentos, ainda que os mesmos fossem reais ou verdadeiros. Não cabia em mim pensamentos tais como velhice, morte ou fim, porque eu era eterno, eu era criança, eu era menino, eu era feliz, eu era rei.

http://www.youtube.com/watch?v=iQlXmb86psI

Percílio de Aquino
Enviado por Percílio de Aquino em 10/01/2014
Reeditado em 29/05/2014
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