A ditadura do riso

Divirto-me com a teoria de Sherlock Holmes para justificar a sua ignorância em literatura, filosofia, política e da própria teoria de Copérnico e a composição do Sistema Solar. Para ele o cérebro do homem é como um sótão vazio e não se pode atulhá-lo com qualquer traste, sob pena de não conseguir mais encontrar aquilo que for de utilidade para o seu trabalho. Acho que entendo o que ele quer dizer, e de certa forma tenho usado argumentos parecidos para justificar a pouca atenção que dou aos filmes em geral. Sabe como é, eu já enchi o meu sótão com tantos livros e tantas informações sobre o passado que já não há espaço para os filmes senão temporariamente – logo eu os esqueço, como Sherlock diante da astronomia.

Ainda assim, quando me sinto especialmente entediado e coincide ser um dia de promoção, aproveito para ir ao cinema, quase sempre sozinho. Se não há um filme específico que me atraia, opto por aquele que mais se aproxime do drama e que menos promete tiros e explosões. Também não compro pipoca e muito menos açúcar gaseificado – sou um chato de galocha, logo se vê. Mas não deixo de pensar que ainda sou capaz de aproveitar o filme mais do que muita gente no cinema. Não estou, por exemplo, sob a ditadura do riso.

Afinal, por mais angustiante e dramática que seja a história na tela, há sempre aqueles com uma gargalhada engatilhada, pronta a ser disparada ao menor sinal de graça no filme. Não se admite a possibilidade de pagar para se divertir e não dar algumas boas risadas. Até porque, também não se imagina que seja possível ter um prazer genuíno que dispense o riso. Então se aguarda ansiosamente o momento de rir, certos de que Hollywood pensa em tudo e preparou situações propícias para que ele aconteça – por mais angustiante e dramática que seja a história na tela. Outro dia fiquei sabendo que até durante uma ópera dramática no Teatro Municipal o que não faltou foi risada. Talvez fosse o caso de se acrescentar outras coisas ao sótão.

milkau
Enviado por milkau em 10/01/2014
Reeditado em 10/01/2014
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