Um novo quarto

Durante pouco mais de duas semanas eu tenho direito a um novo quarto de dormir, que na verdade não é novo, pois é o mesmo em que dormi por cinco anos quando me mudei para Curitiba. Ele continua onde sempre esteve, inclusive com a mesma disposição dos móveis e de tudo o que existe dentro ou em cima deles. Quem o mantém assim é a minha mãe, mas mesmo sem uso o quarto não deixa de acumular pó. Outro problema é o bolor, que toma conta das minhas roupas alguns meses depois de eu partir. Mas no fim das contas o quarto é muito mais confortável do que aquele que arrumei para mim na capital do país.

A cada ano que venho para cá eu começo uma perigrinação pelo quarto para me lembrar daquilo que não foi importante o suficiente para embarcar junto comigo. Do que mais tenho orgulho é a minha coleção de gibis, perto de mil edições que a cada ano eu aumento com revistas dos anos 60 e 70. Tenho também alguns livros que tive o cuidado de organizar em ordem alfabética pelo sobrenome do autor. Há alguns Rubem Braga, muitos Fernando Sabino, outros Machado, um ou outro Kundera, a família Verissimo e mais uns livros de história. Na mesma estante dos livros há um carrinho de polícia em tamanho grande, enfeite que um dia foi brinquedo, e um pequeno pássaro de madeira, enfeite que um dia foi declaração de amor. Existem ainda cds, mas que já não consigo ouvir no aparelho de som estragado no meu criado mudo. Nele funciona apenas o rádio, que eu escuto um pouco antes de dormir. Conto ainda com uma televisão e um Super Nintendo, pois em termos de video-game eu nunca evoluí.

Sento-me à escrivaninha absolutamente à vontade, tantas vezes estive ali a escrever. Alguns dos meus cadernos antigos sobreviveram e eu sempre faço questão de folheá-los para saber um pouco mais sobre aquele que um dia eu fui – é o mesmo que faço quando contemplo a foto de um menino loiro pregada à parede. São pouco mais de duas semanas, mas eu custo a acreditar que já tenha morado em outro lugar.