Uma história do tempo do Império

Lembro-me sempre de uma história contada pelas minhas tias. Trata-se de um fato verdadeiro acontecido no Colégio de Macaúbas, que a história não registra. Antes de narrá-lo, terei de tecer algumas considerações para que o leitor se situe no tempo e haja uma melhor compreensão.

Meu avô paterno nasceu em 1849, em pleno reinado de D.Pedro II e meu pai em 1890, alguns meses após o fim do período imperial. Parece estranho, pois pela lógica eu precisaria ser bem mais velha para ter avô e pai nascidos no século XIX. Mas isso ocorreu, porque meu pai se casou quando contava mais de sessenta anos de idade e, portanto, já na década de cinquenta. Dom Pedro reinou quase meio século, ou seja, de 1841 até os dias que antecederam a Proclamação de República, em 15 de novembro de 1889. Numa das viagens que meu avô fez a Santa Luzia, terra de minha avó, ficou sabendo que o imperador estava visitando aquela cidade. Foi até o local em que ele se encontrava para conhecê-lo. Lembro-me de papai contando as impressões que ele lhe causara...

Anos depois, meu avô levou suas duas filhas Leonor e Joana (elas eram mais velhas que meu pai) para estudarem no colégio de Macaúbas, que ficava próximo a Santa Luzia. Lá elas permaneceram todos os anos em que duraram os estudos. Naquele tempo, tudo era muito difícil, todo transporte era feito a cavalo.

Minhas tias contavam muitas histórias do colégio. Pena que, naquela ocasião, eu era muito criança e não me inteirava bem de assuntos que hoje poderiam ser tão importantes. Elas já eram idosas, talvez tivessem passado dos oitenta anos, mas possuíam uma memória bem detalhista. Uma de suas histórias eu me lembro bem, pois elas gostavam de contá-la. Era sobre a visita que o imperador fizera ao colégio. Quando elas lá chegaram, já haviam transcorrido alguns anos desse fato, mas era ainda muito comentado. As alunas novatas logo tomavam conhecimento. Fico imaginando se o meu avô teria sido testemunha ocular dele. Ao mesmo tempo, volto atrás e creio que ele não o tenha presenciado, pois havia-se passado dentro de uma sala de aula. Mas de uma coisa eu tenho quase certeza, foi nessa visita do imperador que o meu avô o conheceu. Com todas as dificuldades apresentadas na época, é pouco provável que D. Pedro tenha ido mais de vez a uma cidade distante da capital do Império.

Pois bem, chega de preâmbulos e vamos ao que interessa. O imperador, acompanhado da irmã diretora, visitava as classes. Numa delas, a irmã lhe apresentou a aluna, considerada a mais inteligente. Dom Pedro olhou para aquela menina de olhos espertos e rosto compenetrado. Caminhou até ela com um sorriso e lhe fez a seguinte pergunta:

— Quantos são os reinos da natureza?

Olhando-o nos olhos, sem pestanejar, ela respondeu:

— Três.

— Quais são eles?

Com toda clareza e segurança, ela enumerou-os:

— O mineral, o vegetal e o animal.

Com um sorriso paternal, ele continuou:

— A qual desses reinos eu pertenço?

O rosto dela corou-se, e, abaixando os olhos respeitosamente, ela respondeu:

— Ao reino de Deus, senhor!

Déa Miranda
Enviado por Déa Miranda em 09/01/2014
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