As brigas lá fora

De muito bom grado eu faria governador do homem que fosse capaz de interpretar aquilo que sonho. E talvez não fosse necessário nem mesmo dizer a verdade, apenas insinuar um sentido favorável, algo que significasse sete anos de prosperidade ou uma vida inteira de amor correspondido. Apenas não me agradaria que um psicanalista apontasse justificativas em sombrios porões do meu inconsciente.

À noite passada eu tive um sonho de medo, pois me vi ameaçado diante de vários homens que se agrediam mutuamente com uma violência terrível. Cercado por eles, comecei a correr e tive certa dificuldade para desviar dos cocos que começaram a arremessar uns contra os outros. Um deles percebeu a minha movimentação e jogou um coco na minha direção, mas não me acertou e eu continuei correndo, com os punhos protegendo o rosto.

Foi quando encontrei uma casa e imediatamente entrei, fechando a porta atrás de mim. Olhei ao redor e achei que a casa estava vazia. Mas não demorou até que aparecesse uma garota loira, da minha idade. “Eu tive que entrar aqui pra fugir deles”, balbuciei. Ela me lançou um olhar de compreensão, sabia que era necessário fugir e natural que me escondesse ali. Eu podia ouvir o barulho das brigas lá fora e pedi que trancasse a porta. Esticando o pescoço, enxerguei o seu quarto, para onde a própria garota me convidou a ir depois de passar por mim: “Vem, vamos brincar!”. Éramos duas crianças puras e sem malícia brincando dentro de casa enquanto o mundo se explodia lá fora. E assim ficamos até acharmos que não havia mais perigo algum. Ela então me pediu para visitá-la qualquer dia desses. Eu, que não queria outra coisa, respondi que sim, e mais não houve nesse sonho até que eu acordasse.

Àquele que for criterioso e sábio o bastante para não apenas revelar as motivações deste sonho mas, principalmente, me ensinar como tornar a ser uma criança pura e sem malícia, eu ofereço o comando do meu palácio e todo o meu povo se sujeitará às sua ordens.