Esperança de um afago

Pense num daqueles cachorros vadios que de vez em quando a gente vê pelas calçadas, circulando diante da porta das lojas. Às vezes são dois ou três, mas não é raro que seja um único cachorro, normalmente preocupado em não incomodar ninguém. Até porque, ele sabe que ao menor sinal de desagrado será enxotado, seja pelos comerciantes, clientes ou pedestres. Por isso ele procura um cantinho onde possa descansar, e se possível até dormir. De vez em quando sai para buscar um pouco de comida, ocasião em que conta com os seus instintos e a solidariedade de uns poucos.

A isso se resume a sua vida e ele não tem razão alguma para acreditar que algum dia venha a ser diferente. Está devidamente resignado ao destino que lhe coube. Considere que este animal é, por definição, o melhor amigo do homem, mas na situação em que se encontra ele sequer tem a esperança de um afago. Quem passa por ele também raramente se mostra disposto a algum gesto nesse sentido, e quando acontece o próprio cachorro – gato escaldado – hesita em se aproximar, desconfiando que se trate de mais uma armadilha contra ele. Então a maior parte do tempo ele passa sozinho mesmo e não há conhecimento de que algum dia tenha balançado o rabo ou babado em alguém a sua volta como sinal de um indizível prazer.

Talvez fosse diferente no tempo em que ele era bem pequenininho, mas agora ele já viveu o bastante para saber que não tem mais muitos motivos para brincar. Agora tudo o que lhe resta fazer é esperar o fim dos tempos, que acontecerá naturalmente ou não, pois por mais experiência que se tenha sempre há a possibilidade de um atropelamento. Se isso vier a acontecer talvez haja um ou outro que lamente e se lembre de como estava acostumado a ver aquele cachorro todos os dias andando pra lá e pra cá, mas outros darão graça, porque afinal um animal como aquele só espantava a freguesia. E tudo será esquecido logo em seguida, sem que ninguém note em sua vida qualquer semelhança com ele.