Munido de um gravador
Disseram-me que eu devia entrevistar um tal de Calqui, fotógrafo das antigas. Asseguram-me que tinha muitas histórias para contar. Demorei um tempo até descobrir que Calqui era Kalkbrenner e então fui à sua casa fazer uma visita. Na ocasião eu estava munido de um gravador digital, essa pequena maravilha que, ao contrário do bloco de notas, permite que o jornalista pergunte e preste atenção na resposta ao mesmo tempo.
Quando cheguei, Calqui louvou-me a pontualidade e disse que isso só podia ser coisa de alemão. Levou-me até uma sala e começamos a falar dos anos 50, quando ele havia iniciado na fotografia. Ainda se lembrava do jornalista que havia lhe pedido a foto de uma árvore seca na Carlos Gomes. A foto foi tirada e publicada no dia seguinte com a legenda “As árvores morrem de pé”. Só que mudaram as estações e aquela mesma árvore que havia sido dada como morta voltou a florir. De sacanagem, Calqui tirou uma foto da árvore, agora deslumbrante, e deixou à mesa do jornalista. Foi uma gozação só na redação. Isso o Calqui contando, enquanto eu ria e apenas anotava algumas palavras-chave, já que o gravador se encarregava de registrar a conversa.
Eu já havia passado ali mais de uma hora ouvindo histórias como essa. Calqui aproveitou para mostrar um álbum com fotografias e reportagens do seu tempo de ciclista, e pelo que vi havia sido um dos grandes nomes do esporte em sua juventude. Depois me levou para o seu estúdio fotográfico, onde também existe um pequeno museu com máquinas antigas e curiosas.
Foi, em suma, um encontro bastante agradável e eu saí de lá satisfeito com o resultado, certo de que havia coletado material mais do que suficiente para uma reportagem. Enquanto voltava para o jornal, gelei diante da possibilidade do gravador ter permanecido desligado durante a nossa conversa. Mas constatei aliviado que tudo havia funcionado perfeitamente e a gravação estava lá. Foi quando tentei ouvi-la, apertei um botão errado e apaguei tudo.