POR UM FIO DE SEDA

Já faz algum tempo que eu andava por ali a conhecer novos rostos, novos biotipos, novos pensamentos, novos costumes, novos sonhos, novos olhares perdidos, novas pedras dos velhos caminhos já percorridos e velhas pedras dos muitos outros novos caminhos ainda a se percorrer...se o destino ali assim o quisesse.

E como gente como a gente é algo tecido em fios sempre iguais, embora me houvesse possibilidades mil de detectar diferenças pontuais, culturais, momentaneas e temporárias, aquelas inscritas pelos destinos sobre a Terra de todos nós, não me foi difícil perceber que ali ela era algo diferente: decerto que ela estava por um fio.

Em meio a uma sala de muitos teares aproximadamente nove mulheres engajadas no que faziam entrelaçavam rapida e mecanicamente entre seus dedos fios coloridos , tingidos por corantes de cores vivas, depois de saídos da produção do casulo mais disputado pelo capitalismo desenfreado desse nossso mundo algo "punk".

As mulheres tinham biotipos diversos: jovens, maduras, magras, cheias, louras, morenas, rápidas, cansadas, brilhantes e opacas, enfim, tinham também habilidades diferenciadas na automação fina das mãos que produziam tapetes para exportação ocidental.

Eu as observava maravilhada mas boquiaberta, porque, logo entendi que aquele maravilhoso e extenuante trabalho de horas a fio, com tantos ilustres fios para se dar a perfeita e exata conta pelas horas contínuas, todas trabalhadoras em postura corporal bem distante da ergonomia convencional que convém a todo trabalho, decerto que não seria tarefa para quaisquer mãos leigas aos sacrifícios do mundo.

Indagado o gerente por alguém sobre a velocidade e quantidade da produção artesanal daqueles teares, ele seriamente franziu o bigode e de pronto olhou para ela, subliminarmente nos destacando-a entre a mais vagorosa do grupo.

Assim que ela entendeu a explicação dada pelo patrão, abaixou a cabeça como se negasse a sua realidade de vida, apertando as mãos no emaranhado de fios de seda na intenção rogada de disfarçadamente se entrelaçar jutamente ao seu tear a se tornar um tapete voador, livre pelos ares do mundo.

Ao sair dali não pude deixar de insistir meu olhar de despedida para ela, que timidamente me agraciou com um leve sorriso, algo embotado para o chão, me denunciando que ali, todos os tapetes, inclusive o entrelaçado para o chão dos seus sonhos, estavam literalmente por um fio.

Nota: em homenagem àquela senhora do tear de quem jamais esquecerei.