Eu, hein!

Com tantos novos modelos de celular sendo lançados no mercado, tantas novas funções ultradimensionais compactadas nos amiguinhos retangulares, tantas capas lindas e fashion para enfeitá-los, tanta parceria, fidelidade e blá-blá-blá. Só tenho que me render ao fato dele estar roubando as cenas.

Eu lá sou louca de me meter entre o casal embaixo do guarda-sol (sob o o sol em em frente ao oceano azul e límpido) e dizer para a mulher largar seu amiguinho portátil vestido de oncinha e se ligar no marido, namorado, ficante (sei lá eu) solitariamente sentado na muda cadeira de praia?

Quem sou eu para tentar resolver um triângulo amoroso, no qual (não resta dúvidas) ela jamais abdicará de seu amado telemóvel? Eu, uma ( literalmente) estranha que acha que é muito mais interessante ( e inteligente) ficar conectada nas imagens vivas da beira do mar, do que ficar brigando com o sol, tentando encobri-lo para conseguir ver as cenas miúdas da tela que dá acesso ao portal das (inalcançáveis) redes sociais.

Confesso que a vontade louca veio me cutucar na cadeira: “Vai lá e avisa ela que, enquanto se delicia teclando em seu mundinho virtual, ele se delicia vendo duas beldades jogando frescobol!” Eu, hein! Em briga de homem,mulher e celular, não meto a colher para não me queimar. Levei a vontade para se afogar no mar.

Da rústica janela da pousada que emoldura a ousadia da mata verde (a se postar entre o céu e o oceano), ao ver pessoas passarem de cabeças baixas e olhos voltados para as suas janelinhas portáteis e luminosas de última geração... Quem sou eu para obedecer (mais uma vez) a vontade desvairada que me incita a gritar: “Hei, vocês estão perdendo a mais perfeita conexão que existe. Olhem em volta!”? Eu ,hein! Quem sou eu para criar intriga entre alguém e o celular? A vontade virou pipa e se perdeu no ar.

Do restaurante à beira mar (com os meus pés exibidos calçando areia), ao ver os deliciosos pratos sendo capturados pelas dezenas de câmeras embutidas nos estimados aparelhos, sendo postados ( em tempo real) para causarem inveja a bocas que não podem comê-los... Quem sou eu para dar ouvidos à vontade malcriada que me manda dizer: “ Saboreiem a delícia deste momento sem perder tempo tentando publicá-lo, antes que ela esfrie!”? Eu, hein! A hora da refeição é sagrada, ainda mais quando a prece de agradecimento é ao deus Celular.”

E se eles estão aí, inteligentes, lindos, práticos, eficientes, ocupando todos os lugares possíveis e inimagináveis do mundo e da vida, eu é que não vou querer disputar uma guerra com seus fiéis escudeiros, os donos.

Quem sou eu para erguer a bandeira das emoções viscerais? Só porque me indigno ao ver que, enquanto os pássaros dançam maravilhosamente no céu, perde-se a evolução da coreografia tentado capturá-los nas gaiolas de tantos megapixels. Que a música que tenta tocar os corações, no pub, perde-se confusa entre tantas visões encobertas por tapa-olhos digitais. Que as gargalhadas que libertam-se freneticamente para brincar na rua, emudecem imediatamente ao terem de pousar para as lentes estáticas. Que os beijos apaixonados viram prosaicas encenações sempre que se tenta registrá-los para depois compartilhá-los.

Quem sou eu para alertar que o tempo passa rápido demais? Que o único lugar que podemos arquivá-lo é na memória das emoções, efetivamente, vivenciadas. E o que é melhor, sem que raio nenhum de bateria nos deixe na mão na hora H.

Eu, hein! Arrastei a vontade (pelos cabelos) para dentro da minha caverna.

Léia Batista
Enviado por Léia Batista em 08/01/2014
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