Janela
Era a primeira vez que eu viajava de ônibus. Bem, houve uma vez em que eu viajei, mas a duração da viagem era de pouco mais de uma hora. Então, nem conta. O mais estranho de viajar de ônibus é a janela. Considerando que eu estava só e que -na verdade, minha acompanhante era Nossa Senhora em uma correntinha no meu pescoço- meu namorado havia ido me deixar na rodoviária, a janela fez toda a diferença na utilização desse meio de transporte. Para os que ainda não viajaram de ônibus: a janela é enorme. E o fato dela ser desse significativo tamanho muda tudo.
Você enxerga tudo de fora, olhando em uma única direção todos os comportamentos são capazes de ser notados por quem está do lado de dentro e no andar de cima desse ônibus. Termino de captar que é a mesma sensação de imaginar um mundo sem você. Retirando o fato de que nesse mundo eu ainda existi por menos de sessenta segundos (meu namorado acenava para mim enquanto eu sentia minha última lágrima secar. Depois ele, sutilmente, desapareceu. E eu... Eu morri. Porque em um lugar onde ninguém te conhece e se você nunca foi imaginada por alguém, você não existe.
Parece até meio triste pensar isso, mas creio que efetivamente seja assim. Agora o ônibus começou a se mover e por estar de noite, a janela se resume em um breu com alguns pontos pequenos de luz. Está escuro aqui no ônibus. Algumas pessoas falam. Também há o som do motor, do ar condicionado e de uma televisão passando algo que não me interessa. Me interessa apenas escrever para você que irá um dia me ler.
E se um dia, você for viajar como eu estou viajando agora e olhar pela janela e ver que ninguém ali te conhece e que portanto você está morto. Lembre-se de mim. Eu estou sempre imaginando alguém e pode ser que nesse dia, eu esteja imaginando você. E apesar de eu não estar do outro lado do vidro, eu estarei pensando em quem você que está dentro e em todos os que estão fora. De alguma forma, nós estaremos ligados por uma ideia, por uma opinião acordada ou não, pela vontade de sempre viver. E uma ideia nunca morre. Ela vive mesmo sem um Homem.
Ps: Estou de volta, Sérgio Neves!